Real Caminhada à cidade europeia da cultura

Foto do grupo Vianatrilhos

Dados do percurso

Informação sobre os aspetos mais significativos

Data 31-03-2012
Localização Guimarães
Distância total 5.7 km
Participantes 54

Um punhado de caminheiros que se contavam pela meia centena, vindos de zonas ao pé do mar e oriundos de várias sortes do norte litoral, na sua grande maioria de terras limianas, tomaram de assalto a cidade-berço da nacionalidade, património mundial e capital europeia da cultura, no decurso do ano MMXII.

À porta d’armas, logo surge o fidalgo Vímara Peres, de idade avançada, alegando ter sido quem expulsou os mouros e deu início ao condado portucalense e eis que das ameias do seu castelo, Mumadona, nobre fidalga, acenava a todos nós, enviando pajens ao nosso encontro, o que já nem fazia falta porque por ali andava um jovem corpulento e irrequieto cavaleiro, de 17 anos de idade, filho de D. Henrique e D. Teresa, trajando uma capa branca com uma cruz azul estampada, munido de armadura, escudo e espada, a oferecer os seus préstimos aos visitantes caminheiros, acabados de chegar e vindos do norte. Era o Afonso Henriques, mais conhecido pelo

Conquistador, falando para todos nós: aqui quem ordena sou eu e ficaides a saber que ainda vou meter minha madre na ordem, por andar teúda e manteúda com um tal galego Fernão Peres de Trava. Ficaides a saber, eu quero el condado portucalense independente, quero destruir a vassalagem ao meu primo Afonso VII de Leão e Castela e dar o fora aos moiros. Depois, perguntou ao que viéramos, de tão longe, e logo lhe foi respondido que a nossa vontade era caminhar até à Penha. Prontificou-se ele ceder uma dúzia de alimárias para transporte dos menos capazes, mas a arraia-miúda bateu o pé e recusou. Vindos de Viana do Castelo, o grupo caminheiro iniciou a marcha pelas traseiras de S. Gualter e do Campo das Hortas, por trilho identificado e capitaneado pelo Rui.

O itinerário leva-nos a Santa Marinha da Costa, advogada das parturientes, onde se instala a pousada do mesmo nome e fora mosteiro, doado por D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques, aos cónegos regrantes de santo Agostinho, passando em 1528 para a ordem de S. Jerónimo.

Mais tarde, o rei piedoso (D. Afonso III) cria aqui uma das primeiras universidades do país, atribuindo o grau de bacharel e doutoramento em Teologia, Humanidades e Artes. Em 1834, a revolução liberal extinguiu as ordens religiosas, passando o mosteiro para a mão de particulares.

Em 1951, a ala oriental sofre incêndio e entra em degradação total, até que em 1972 o Estado adquire o mosteiro e adapta-o a pousada, pela mão do arquitecto Fernando Távora, coadjuvado, ao que parece, neste trabalho de recuperação premiado, pelo nosso colega caminheiro, Filipe Barroso, segundo me segredou o Mesquita. Visitada a igreja barroca, aparentemente em obras de pormenor, voltamos à estrada e, uma centena de metros adiante, vem a escalada do monte, aliás, foi esta a tónica dominante, subir, subir, subir!

Não foi pêra doce esta caminhada, pára aqui, pára mais adiante, respira fundo, tira uma peça de roupa, bebe-se um pouco de água e toca a andar, era esta a cadência; em boa verdade, o trajecto é mesmo bem pior do que a conhecida rampa da Penha, é montanhoso, faz-se bem, mas é em grupo.

Duas jovens do país dos fiordes e três inglesas de idade madura incluíam-se no grupo e davam bem conta de si. Todos chegaram ao topo, sem muita conversa, dado o esforço continuado e foi, de facto, um alívio ter atingido o cume, onde se nos deparam penhascos graníticos e penedos estrambólicos, cheios do maior simbolismo religioso.

Penedos castiços, passagens estreitas, subidas e descidas estonteantes e arcadas fabulosas constituem um labirinto, bem como proporcionam autênticos esconderijos para o jogo do esconde-esconde. A curiosa capela da Senhora do Carmo e o nicho do eremitão Elias, advogado do sono, a taberna do mesmo, a capelinha onde se venera São Cristóvão, padroeiro dos motoristas, a senhora do ar, a senhora do mar e a senhora do ar, deixam-nos boquiabertos.

O local é um posto de observação privilegiado sobre a cidade, donde seguimos em direcção do santuário da Penha, inaugurado em 1947, cuja peregrinação se realiza no segundo domingo de Setembro, cuja imagem é venerada desde 1894. Na retaguarda do templo, o panorama é soberbo, nele se perdendo os olhos que o contemplam.

Fomos deambulando por este espaço convidativo para um piquenique em qualquer altura do ano, subimos à estátua de Pio IX, local mais altivo desta elevação orográfica, menina dos olhos desta cidade vitoriana, e ao descer, acabamos por dar de frente com o penedo do susto e o que abana e, de relance, vimos o baixo - relevo, em monumental penedo, de homenagem aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Ainda passamos pela gruta de N.S. Lourdes, em cuja bica de água molhei os lábios.

Finalmente, abancamos numas mesas de pedra, para retomar as energias e dar duas de treta.

Na hora do regresso e feito o controle, a maioria vai de teleférico, enquanto um pequeno grupo, no qual me incluía, desceu a montanha a pé, a Isabel, o Carlos Penedo e os vimaranenses Ana e uma colega sua e o Berto.

Chegados ao Campo da Feira e depois de contornar a igreja de S. Gualter, veio ter connosco o Conde de Arnoso, ali especado num pedestal, emérito escritor vimaranense, coevo e amigo de Eça de Queirós, ambos do lote dos “Vencidos da vida”. Dizia ele, atento a quem passa, que um grupo de caminheiros, de mochila às costas, passou por ali e que nem sequer o cumprimentaram, iam na direcção do norte.

Fomos na sua peugada e passamos no Toural, onde um sensacional espectáculo de multimédia teve lugar, a cargo dos catalães Fura dels Baus fez explodir cento e vinte mil pessoas de alegria, êxtase e contentamento, aliás, momento de rara beleza, novidade e singularidade. O passado e o futuro de mãos dadas, assim é Guimarães, não perdeu a memória do passado, antes, como projecto de futuro, soube entrelaçar o presente, passado e futuro, sustentando o progresso e bem estar nesta base.

Avançamos pela Rua da Rainha, avistando para o Largo João Franco a estátua do rei conquistador, obra da autoria de João Cutileiro. Chegamos ao Largo da Senhora da Oliveira, onde a população vibra, bebe, canta e dança. Estamos no casco histórico, pedaço citadino medieval, por excelência, quase intacto. O padrão do Salado, comemorativo da vitória sobre os mouros, a igreja da Senhora da Oliveira, em homenagem à vitória de Aljubarrota, votos peregrinos do rei da Boa Memória e Nuno Álvares Pereira, a domus municipalis e a praça de Santiago, com o seu casario avarandado, a juntar à rua de Santa Maria. Por ali abundam cafés e bares que animam os visitantes, turistas e vimaranenses, onde se concentram as gentes e se exibem espectáculos e realizam diversões, espaço em ponto pequeno à medida de Santiago de Compostela. Figuras ilustres de museólogos como Martins Sarmento e Alberto Sampaio e outros mais deambulavam nas mentes de forasteiros e ao aqui autor deste trabalho o esquecimento não apagou a memória do indefectível professor Santos Simões.

Um cunho especial terá este ano, por um lado, as Nicolinas, que lá para 29 de Novembro saem à rua, destacando-se destes festejos académicos o cortejo das maçãzinhas, o pinheiro e o pregão, a cidade deita-se tarde e acorda cedo, porque o reboliço é grande durante uma semana inteira; por outro, no primeiro fim-de-semana de Agosto são as gualterianas, festas da cidade, sendo de rever sempre o cortejo do linho e a marcha gualteriana.

Faltava ao grupo cumprir o itinerário medieval da rua de Santa Maria, artéria nobre que ligava o castelo à igreja e colegiada da Senhora da Oliveira. Chegados em frente do convento de Santa Clara, hoje Câmara Municipal e ontem Liceu Nacional, tirou-se a foto colectiva e, quando nos aprontávamos para finalizar a caminhada até ao castelo, eis que surge o ilustre Presidente da Câmara, o Dr. António Magalhães, amigo de longa data, a quem dei os parabéns pela valorosa obra empreendida na cidade, respondendo-me que “a cidade está um brinquinho”. Aceitamos este orgulho, apesar de sabermos que Viana do Castelo usa “brincos de rainha”.

Continuando a subir até às imediações do castelo, lá estava o Afonso Henriques, armado até aos dentes, à nossa espera, querendo saber se por ali andava algum mouro. Soares dos Reis deu vida à estátua; mesmo ali ao lado, já na acrópole do castelo, o paço dos duques de bragança ostenta toda a sua nobreza, onde o Presidente da República tem residência. Este majestoso paço ducal foi mandado construir pelo primeiro duque de Bragança e 8º Conde de Barcelos, D. Afonso, filho de D.João I e de uma filha de Nuno Álvares Pereira. Aqui começa a real casa de bragança.

Mais acima lá está o símbolo maior do condado portucalense e de Portugal – o castelo de Guimarães - e na retaguarda o campo de S.Mamede, onde (?) o Conquistador derrotou sua mãe, decorria o ano de 1128, fazendo a folha ao seu amante e ordenou o seu desterro para o castelo de Póvoa de Lanhoso.

Depois de tanta história, perdoem-me o excesso, o grupo tinha fome e debandou de autocarro para os lados de Santo Tirso. Aqui chegados no restaurante “O Cantinho do João” fomos deliciados com um “lanche/ajantarado” muito bem preparado e servido, pretexto ainda para últimas conversas.

A terminar não poderemos deixar de mais uma vez agradecer toda a disponibilidade do companheiro “Rui das Aves”, que também soube preparar esta actividade.

Também foi com muito prazer que tivemos na nossa companhia a família completa da Carina com o seu “rebento” Martim.

Em tempo: Não aconteceu o que poderia ter acontecido, provar o “naco à conquistador” e saborear os doces conventuais. Fica a receita gastronómica e a indicação de alguns doces… só para abrir o apetite.


NACO À CONQUISTADOR:

INGREDIENTES: Coração de alcatra (vitela) entre 180g a 300g; Batata cartão; 150g ou mais; Grelos 80g; Alho; Azeite q.b. Azeitona q.b. Sal grosso q.b.

CONFECÇÃO: cortar o naco da carne e temperar com sal grosso; Levar as batatas ao forno com sal grosso e depois de assadas sacudir o sal e saltear em azeite e alho; Cozer e saltear os grelos em azeite e alho; Grelhar o naco. Dispor no prato ou travessa com a batata e os grelos; Espetar a espada e decorar com pasta de azeitona e um talo de alecrim

Doces típicos de Guimarães: Toucinho-do-céu, Tortas de Guimarães, Doce de Chila, Rochas da Penha, Brisas da Penha, etc.

Luis Gonçalves Vianatrilhos