2010-04-10 No cimo da Serra do Soajo - Alto da Pedrada

Após cerca de 5 anos (30/04/2005) eis que novamente nos propusemos caminhar até ao ponto mais elevado de todo o Alto-Minho, o “Alto da Pedrada” em pleno coração da serra do Soajo/Peneda, área integrada no PNPG.

Com o tempo anunciando um dia de sol, os cerca de 27 caminheiros oriundos de Viana e Porto rumaram, com passagem pela Vila dos Arcos de Valdevez, e daí subindo em direcção da Portela do Mezio local de nova porta do PNPG, e depois em direcção á Travanca onde se deu inicio deste percurso.

Aqui chegados logo se notou a confrangedora imagem da serra após o grande incêndio que tanto desfigurou esta zona, e onde outrora dominava uma luxuriante floresta, encontra-se agora uma zona totalmente desbastada sem o verde que tanto a caracterizava.

Mas o nosso objectivo estava traçado e para isso depois dos preparativos da praxe demos inicio á “jornada”, subindo pela calçada de “Currais Velhos”, nome derivado de uma antiga Branda que a meio da mesma se encontra, sendo visitada por todos, alguns pela primeira vez, havendo oportunidade para admirar os antigos abrigos dos pastores e seu gado. Continuamos subindo a calçada através do que resta do bosque de bétulas, carvalhos e pinheiros-silvestres, acompanhando o pequeno ribeiro que tantas fotos de rara beleza já nos ofereceu, parando de vez em quando para estender a vista pelo vale que cada vez mais longe ia ficando.

Mais acima atingimos uma chã, e virando para nascente fomos visitar a “Branda de Cova” que tal como o nome indica se encontra instalada no interior de um pequeno vale onde impera a calma e o sossego, tendo a protegê-la dos ventos de sul o “Pico do Guidão”. Aqui após breve recupera das energias, regressamos á anterior chã e caminhamos agora para poente, subindo ao longo da meia encosta com um grau de inclinação bastante acentuado, passamos junto da “Branda de Cobernos” e mais á frente por cima do vale do mesmo nome podemos ver a “Branda da Bragadela” e os muros convergentes do “Fojo” de mesmo nome, com os seus muros convergindo bem lá para o fundo da corga do vale por onde corre o rio Grande que mais a baixo se chamará Àzere.

A partir da chã o caminho era feito a corta-mato, subindo sempre gradualmente, cruzando de vez em quando pequenas linhas de água. Á nossa frente para norte já podíamos ver o objectivo, mas havia ainda muito para “trepar”.

Com o alto da Pedrada já na mira da visão alguns mais entusiastas caminhavam já mais apressados com vontade de o atingir, outros mais calmos iam subindo e ao mesmo tempo parando para poderem ver e admirar toda a vastidão que a vista alcançava.

Com mais ou menos dificuldade todos foram atingindo o “Pico da Pedrada”, com os seus 1416 m de altitude e local mais elevado do Alto-Minho. Aqui com um ângulo de visão de 360º, a vista é soberba., Através do horizonte podemos distinguir a borda Atlântica com uma linha de escadas cujos degraus são as cumeadas das serras de Santa Luzia, Aguieira, Arga e Miranda, qual escadório em direcção do “trono” de Nossa Senhora da Peneda. Para Nascente/Sul, as altaneiras serras de Amarela e Santa Eufémia com as suas antenas, e os cumes das serras do Gerês com os Picos dos “Carris”, “Rocalva”, Roca Negra” e “Fonte Fria”, estes já em terras de Motalegre, conservando alguns ainda alguma neve. Mais perto para norte, e á nossa volta nas cercanias, a zona de “Lamas de Vez”, local semeado de Antas e Mamoas testemunho de civilização milenária, e nascente do rio com o mesmo nome. Bem junto lá no fundo a nossos pés, a Branda de Seide e os muros que convergindo formam o “Fojo do lobo do Soajo”, obra de engenharia popular executada ao longo de gerações para dar caça ao principal inimigo dos rebanhos e pastores. Para poente o “Vale do Ramiscal” santuário natural de uma enorme diversidade de vegetação onde predomina o carvalho e o azevinho, considerado como área de “Reserva Natural”, também um pouco atingido pelo grande incêndio.

Na realidade não será fácil descrever a grandiosidade daquilo que a nossa vista alcança.

Com o vento a arrefecer já um pouco os corpos, houve que tirar as fotos da praxe e iniciar a descida, pois tínhamos hora marcada na “Fonte dos Azevinhos”. Descendo a encosta onde predomina o mato rasteiro com grande quantidade de pedra pelo meio, o que dificultava o avanço, passamos junto de uma “estranho” encastelamento de pedras repletas de musgos que conferem ao local, algo de estranho, e, onde se encontra um bem conservado abrigo de pastores. Pela encosta e bastante dispersos mas sempre com ligação, fizemos a descida até se atingir os “seculares” Azevinhos, quase os últimos resistentes do grande incêndio, e onde existe uma fonte com o mesmo nome.

Aí chegados e como o sol estava quente, os mesmos nos proporcionaram o merecido abrigo para degustação dos farnéis. Durante este período passou um pastor com dois cães, oportunidade para alguns terem uma conversa, onde após alguma troca de palavras alguém lhe ter dito de onde vínhamos, ele disse que o “guia” os tinha enganado no percurso que escolheu para chegar á Pedrada, pois havia escolhido o mais difícil (corra-se com o guia).

Feito o reabastecimento, e já com as forças um pouco retemperadas retomamos o percurso caminhando pelo estradão, passando bem perto da “Branda de Bragadela”, mais á frente pela “Branda das Bezerreiras” e logo depois paramos para visitar um Malhão (aglomerado de pedras que serve de orientação e de abrigo do vento) e a “Branda dos Bicos”, local em que do alto podemos perscrutar o “Vale do Ramiscal”. Já no regresso no “Cabeço dos Bicos” entre duas elevações, paramos para de um belo miradouro, ponto de paragem já de outras ocasiões, podermos estender a vista sobre o vale e avistar bem lá no fundo o “Fojo da Cabrita” e as “Brandas da Lombadinha” (Albar, Soengas e Montelos”.

A hora avançava e havia que decidir qual o caminho a tomar, e como alguns dos presentes nunca tinham estado no “Fojo da Cabrita”, após breve conversa optou-se por descer através da “Calçada dos Bicos”, e ir ver no local o tipo de construção do mesmo, e como era feita a captura das “feras”. Penso ter valido a pena.

A partir do Fojo apanhamos novamente um estradão florestal que faz a divisão do PNPG, e que nos levou a passar pela Brandas de “Bostejões”, de “Curdifeito” e “Berzavó”, esta colocada um pouco acima de nós a meia encosta. Continuando chegamos á ponte do “rio Grande” e logo depois ao local de inicio deste percurso.

Oportunidade houve ainda para fazer a entrega a todos os participantes do diploma de “Caminheiro Pedrado”, atestando a singular proeza de ter atingido o ponto mais elevado do Alto-Minho.

A tarde ia avançando, após breves despedidas iniciamos o regresso a casa, não sem antes termos parado num café em Cabana Maior para refrescar as gargantas.

Esperando que tenha sido do agrado de todos, pese talvez o esforço despendido, terminou assim mais uma interessante página dos nossos Percursos na Natureza.

Miguel Moreira

Vianatrilhos

VIAGEM NO TEMPO - SERRA DO SOAJO/PENEDA - BRANDOS ABRIGOS

Há já muitos anos que perderam a sua função original. Persistem no entanto, majestosos e enigmáticos, nas terras altas da serra do Soajo/Peneda.

Erigidos há séculos, por mãos calejadas e sábias, o aparecimento e longa sobrevivência destes velhos abrigos, construídos com grandes pedras, deve-se ás estratégias de povoamento desenvolvidas pelas comunidades humanas que aqui habitam há milhares de anos.

Dessa relação resultou um complexo ecossistema que se materializou, entre outros, no aparecimento de um característico povoamento sazonal, deslocando-se as populações ao longo do ano entre as “Brandas” e as “Inverneiras”.

Testemunhos privilegiados dessas antigas brandas pastoris e da tenacidade e capacidade humana de adaptação, estes velhos abrigos de pastores são hoje, também, monumentos ao modo de vida e à transumância que até não há muitos anos se praticava nas altas montanhas do Minho.

Serra do Soajo/Peneda

Tempo: um tempo sem tempo, algures entre a Idade Média e o século XX, embora os factos que se descrevem em seguida se baseie em recolhas etnográficas realizadas na primeira metade deste último século.

Estamos no início de Maio. As lavouras estão a terminar e o gado deixa de ser necessário no auxílio ao trabalho agrícola. De resto, não há pastagens suficientes junto ás aldeias. Eis, pois, chegado o momento de partir com os bovinos, em busca dos indispensáveis fenos, para mais altas paragens, geralmente acima dos 600 metros de altitude.

No último domingo de Abril já dois homens escolhidos pela população haviam realizado a “roda de serviço”, percorrendo a serra para averiguarem do estado dos caminhos e dos abrigos (os “fornos” ou “cortelhos”) localizados nas “brandas” pequenas manchas aplanadas ou de declive pouco acentuado que, junto a nascentes ou a pequenos cursos de água, propiciavam as pastagens no alto da serra.

Alguns dias depois, a 3 de Maio, dia Santo, os lavradores e vizinhos reuniam-se para compor os caminhos e combinar as reparações que eram necessário realizar. Finalmente, 15 de Maio era o dia escolhido por grande parte das povoações para pôr as vacas na serra, iniciando um percurso que durante cerca de quatro meses, até Setembro, levará o gado a deambular pelas pastagens nos altos das montanhas.

Não é, no entanto, um percurso aleatório. Ele obedecerá a regras “costumeiras” muito rigorosas, definindo trajectos, calendários e periocidades muito precisas de utilização das brandas, dando assim origem a uma espécie de transumância dos gados e dos “brandeiros”, os homens que acompanham os animais e que com eles, revesando-se, permanecerão durante toda a época.

Para refúgio dos “brandeiros” foram construídos presumivelmente desde a Idade Média, os “cortelhos”- construções muito rudes e acanhadas, construídas com o único material disponível nas imediações das brandas: blocos e lajes de granito. Para evitar repetidas reparações e permitir uma longa longevidade a estes abrigos, na sua edificação não é utilizado nenhum material perecível, como o colmo ou a madeira. E por isso, até a cobertura é feita em pedra, através do tradicional sistema da “falsa cúpula”.

Geralmente os guardadores e os rebanhos permaneciam cerca de quatro dias em cada branda. Pastando livremente durante o dia, à noite o gado é recolhido junto do abrigo. È no exterior deste que o “brandeiro”acenderá a fogueira que aquecerá a sua parca refeição, constituída regra geral por batata cozida, boroa, caldo cozinhado ou de preferência “caldo de leite”.

Se as condições climatéricas assim o exigirem é possível que o fogo seja aceso no interior do abrigo, lançando alguma luz sobre o desconfortante “mobiliário” aí existente: a cama feita de urze e fetos ode, coberto por uma manta, se deita o pastor, com a ajuda de um calhau onde pousa a cabeça. Paus cravados entre as pedras da construção servem de cabides para pendurar alguma (pouca) roupa, alguns sacos e os utensílios de cozinha (que se limitam geralmente a um único pote de ferro.

Durante os cerca de quatro meses que permanecerão na serra, deambulando de branda para branda, refugiando-se e dormindo nos respectivos “cortelhos”, o “brandeiro”, isolado ou na companhia de “brandeiros” de outras casas, será abastecido de mantimentos por gente da sua casa quando aí se deslocam em busca de leite, ou, mais esporadicamente, é o próprio que, em alguns domingos, se abastece na aldeia quando aí desce para assistir à missa.

Esta deslocação sazonal dos gados para as “brandas” não é, no entanto, nestas altas montanhas do Minho, nomeadamente no Soajo, Peneda, Amarela e Gerês, um exclusivo do mundo pastoril. Com efeito, às brandas pastoris somavam-se, igualmente, as brandas de cultivo ou agrícolas, aproveitando deste modo as populações os diferentes nichos ecológicos disponibilizados pela serra ao longo do ano.

Obviamente mais estruturados do ponto de vista arquitectónico e “urbanístico”, estas brandas são verdadeiros aldeamentos subsidiários da povoação mãe (a “inverneira”) para os quais quase toda a população se muda durante os quentes meses de Verão, e onde é possível, além do pastoreio, o cultivo de fenos, batata e centeio.

Embora a sazonalidade de povoados, a transumância e a construção de toscos abrigos em falsa cúpula se registem nas serras do Gerês, Amarela e do Soajo/Peneda, foi nestas últimas que estas características foram mais evidentes e onde, ainda hoje, encontramos uma maior abundância de vestígios materiais desse tipo de organização espacial e do modo de vida que caracterizou a região até ao século XX.

È o caso dos característicos abrigos de pastores que se encontram, isolados ou em grupos, espalhados um pouco por todas as chãs de altitude e de meia encosta destas serras.

A BRANDA

Embora no Gerês e na Amarela estes abrigos se encontrem geralmente isolados nas bandas, no Soajo/Peneda eles agrupam-se regra geral em núcleos que chegam a ultrapassar a dezena de exemplares.

De piso em terra batida e apresentando um aparelho muito grosseiro, uma vez que são construídos através de grandes pedras encasteladas umas sobre as outras sem qualquer tipo de afeiçoamento e não apresentando também qualquer tipo de argamassa, ou mesmo terra, que colmate as fendas entre esses grandes blocos de granito, estes abrigos têm geralmente uma forma circular podendo chegar aos três metros de diâmetro na base. Embora a sua altura atinja frequentemente mais de dois metros e meio, só se verifica no centro da construção em resultado da falsa cúpula pelo que, em boa verdade, numa parte substancial do abrigo não se consegue permanecer totalmente erecto.

Construídos na integra por lajes graníticas, que emprestam em média uma grossura de cerca de um metro às paredes, no seu interior reina a escuridão uma vez que a única abertura é uma pequena porta voltada para um dos lados mais abrigado dos ventos dominantes. Estas pequenas portas (cerca de 80 cm de altura), através das quais só curvado se pode penetrar no abrigo, são no entanto a parte mais monumental da construção em virtude das poderosas padieiras que sempre encimam as entradas.

No exterior, junto de cada abrigo, desenvolve-se, geralmente, um pequeno cercado para o gado, fronteiro à entrada. Tradicionalmente designados por “bezerreiras”, estes muros são compostos por pedra solta e possuem uma forma circular. Permitiam que, à noite, o pastor reunisse o gado junto do seu abrigo, controlando mais facilmente possíveis ataques de lobos.

As serras da Peneda, Soajo, Amarela e Gerês formam o conjunto montanhoso englobado no Parque Nacional da Peneda – Gerês (PNPG) – a primeira área protegida nacional.Com 1416 m de altitude, a serra do Soajo/Peneda é marcada por condições de relevo e de clima que deram origem a uma organização social e económica única: as brandas e inverneiras.
Assim as comunidades serranas acompanhadas do seu gado cumprem um ritual de alternância, no inverno vivem nas aldeias dos vales “As inverneiras” menos frias e onde se mantêm as pastagens, pelo estio deslocam-se para as povoações mais elevadas das encostas e planaltos “as brandas”, demasiado agrestes no inverno e de ambiente ameno nos meses quentes.

A Primeira Impressão

É inesquecível a primeira impressão que se colhe nas altaneiras e isoladas paragens da Peneda.

Se alguém quiser recomendar um cenário de imprevistos contrastes, onde a Natureza teve requintes de capricho, certamente que indicará o topo setentrional do Alto-Minho, invulgar sinfonia de paisagens.

À medida que nos embrenhamos no reino da pedra descarnada colhem-se as mais estranhas e suaves sensações, ora ameaçadoras na perspectiva de arrogantes perfis, ora curiosas no petrificado desenho fruto de milénios de erosão.

BIBLIOGRAFIA

Peneda, Altar de Fé – António do Paço

Joel Cleto e Suzana Faro In Comércio do Porto

Recolha de textos por:

Miguel Moreira

Vianatrilhos

Dados do percurso

Informação sobre os aspetos mais significativos:

Data2010-04-10
Tempo de deslocação05h 26m
Tempo parado02h 32m
Deslocação média 3,7 Km/h
Média Geral2,5 Km/h
Distância total linear20.1 km
Nº de participantes27