2010-01-09 Marcha na Serra D'Arga - Caminhos com História

Mal chegamos ao largo de S. Lourenço da Montaria e pusemos o pé fora do carro, ficamos gelados com a baixa temperatura que se fazia sentir. A temperatura negativa só era amenizada pelos fracos raios de sol, que começavam a aquecer o gelado ar matinal. Tons de branco eram bem visíveis na paisagem, evidenciavam os vestígios da geada.

Foi neste cenário gélido que os 35 participantes rapidamente abandonaram o largo central da mais serrana freguesia do concelho de Viana do Castelo e se puseram em marcha na direcção da capela de Santa Justa, usando o estradão florestal que liga S. Lourenço da Montaria ao Cerquido.

Divergimos logo a seguir para o estradão antigo, agora em muito mau estado, sobranceiro ao estradão principal em terra batida, que nos levou a meia encosta, desfrutando da paisagem para o vale do Lima, semi-escondida pela bruma matinal, que confere ao conjunto um aspecto irreal de ilhas envoltas num imenso mar de nuvens.

Lá fomos pondo as conversas em dia, depois de uma paragem forçada pelas condições atmosféricas adversas que se fizeram sentir nos últimos meses de 2009.

Mas ano novo – vida nova, e agora há que recuperar o que não foi viável fazer, pelo que vamos forçar as coisas no sentido de dar cumprimento às expectativas que temos em mente.

Chegados a Santa Justa, entramos no adro, pela sua porta a sul e aproveitamos o socairo que nos protegia do vento cortante, para levar à boca qualquer coisa e apreciar a arquitectura do conjunto.

A ermida de Santa Justa é ainda o centro de um curioso foco de religiosidade popular, já que continua a haver a crença feminina que Santa Justa protege as mulheres na esterilidade, nas desavenças conjugais e em todo um sem-fim de doenças femininas.

Este culto cristianizado provem de ancestrais rituais pagãos de fecundidade – durante a procissão, soltam-se casais de pombas, ofertam-se dádivas incontornavelmente brancas, sejam frangas, pombas, moedas ou linho.

Recuperadas as forças continuamos a meia encosta na direcção do Cerquido, mas cruzado um ribeiro, junto a um conjunto de eucaliptos, inflectimos à esquerda e deparamos com a principal dificuldade do percurso – a subida de uma interminável calçada que ziguezagueando a encosta, trepa teimosamente a encosta da inóspita serra.

O nosso destino era o alto da serra D’Arga, a que os romanos chamavam Monte Medúlio, onde, diz a lenda que "Eulália foge com Egica para longe do seu pai, Ervigio, Rei Visigodo em Espanha e de Remismundo, guerreiro temido, com o qual, por vontade paterna, deveria casar". Também, conhecida por montanha santa ou montanha mágica, devido às numerosas casas de oração e eremitérios que lá existiram.

Foi uma experiência dura e mesmo penosa para muitos, pois a rudeza deste trecho, só é aliviada pela magnificência das paisagens que fomos avistando. A calçada estava cheia de gelo e escorregadia.

São realmente de cortar a respiração as vistas para o vale de Esturãos, com a típica aldeia do Cerquido muito próximo, como especialmente para o Vale do Lima, desde as longínquas serras cobertas de um manto branco, até ao mar, ainda semi-escondido pela bruma.

Acabou-se o frio! Qual frio qual quê! Estava de repente um calor tórrido, que tingia as faces de todos e obrigava mesmo ao descarte de parte da roupa que nos protegia do frio…

Chegados à Chã Grande – extenso prado que ocupa o alto da serra, inflectimos à esquerda e dirigimo-nos ao conjunto de construções que encimam o extremo este do planalto, onde se destaca o Santuário da Srª do Minho.

Para além das torres de vigia, situam-se nesse conjunto três importantes ícones religiosos. A pequena ermida, cravada na rocha, com a sua imagem em pedra, a antiga e singela capela, datada de 1958 e o novo Santuário da Srª do Minho.

Este novo templo, dedicado a Nossa Senhora da Conceição do Minho, no espaço da diocese de Viana do Castelo, teve a sua primeira pedra benzida em 1984 e, depois de um longo e lento percurso de construção, quase pedra a pedra, ao ritmo do dinheiro que se ia amealhando, teve a sua inauguração em Junho de 2008, sendo um dos motivos que mais leva os devotos a este Santuário, o facto da Senhora do Minho estar vestida com o Traje à Vianesa.

"Nossa Senhora do Minho
aonde te foram pôr
no alto da Serra D’Arga
com penedos em redor"

Antes da merenda ainda uma fugida rápida ao marco geodésico, que com os seus 800 m, domina a paisagem circundante, e de onde se pode ter um majestoso do panorama de todo o Minho, caso as condições meteorológicas, tão voláteis neste local, o permitam.

Era o caso do dia, que parecia ter sido escolhido a dedo, pelo que tivemos a felicidade de poder contemplar a paisagem circundante, com o único constrangimento do frio que, pese o adiantado do dia, se continuava a fazer sentir com intensidade.

Foi na lateral soalheira do santuário que, aproveitando a protecção ao vento agreste, fizemos a merenda, compartilhado os farnéis, com o único senão das incómodas caganitas de animais, que empestavam o local.
Depois da foto de grupo rumamos a oeste, percorrendo a Chã Grande, Outeiro do Homem e descendo pouco depois da torre de radar, na direcção do vale do rio Âncora.

O rumo era definido pelo Miguel, que conduziu o grupo até uma branda, de que não conhecemos o nome, bem encaixada no flanco da serra, e quase invisível, pela sua perfeita simbiose com a paisagem envolvente.

Pudemos observar demoradamente as cerca de 20 a 30 construções redondas de pedra não aparelhada, cobertas com lajes, muito próximas ou ligadas umas às outras, que acreditamos ser destinadas ao pastoreio de gado, em determinadas épocas do ano.

O aglomerado está virado a sul, com uma vista soberba sobre o vale do Âncora e sobre o mar e apresenta condições singulares, já que o terreno é quase plano, banhado pelo ribeiro dos enxurros, que forma adiante o rio, que vai desaguar em Vila Praia de Âncora.

Seguiu-se a formação rochosa da Porta da Vila, já nossa conhecida de outras andanças, onde pudemos tirar mais uma foto de grupo, e onde se tiraram fotos mais artísticas, para recordação deste singular local, que a natureza moldou.

Seguimos a calçada na direcção da casa florestal, agora completa ruína, situada num local de excepção, que merecia melhor sorte que o completo abandono a que foi votada, desde o fim dos guardas florestais residentes.

Fizemos novo reagrupamento na Fonte da Cavada, preparando-nos para a longa e escorregadia descida para S. Lourenço, pela Encosta do Curral.

Fomos muito devagar, pois havia ainda muito gelo, a calçada estava escorregadia e era traiçoeira. Não obstante os cuidados, houve alguns deslizes e mesmo bastantes bate-cus, sem todavia grandes consequências, mas que valeram algumas negras e ainda maiores sustos. Que o diga o Abreu, que dobrou a dose!

Chegados a S. Lourenço, foi a despedida, desta vez sem o costumeiro complemento gastronómico, já que vários companheiros tinham outros compromissos inadiáveis.

Foi uma pena não ficar para o cozido à portuguesa ou para o cabrito assado, mais a meu gosto, mas não pode ser sempre e há que atender aos compromissos dos outros.

Até à próxima!

José Almeida
Viana Trilhos

CLASSIFICAÇÃO DUM POVOADO MILENAR NO CIMO DA SERRA DE ARGA

Perdido nesse belíssimo santuário da natureza que é a Serra de Arga, existe um povoado antiquíssimo que importa e urge classificar. Tudo indica tratar-se dum património arqueológico de grande valor. Não se sabe a idade nem a sua origem, mas parece anterior a qualquer aglomerado populacional das fraldas da Serra de Arga.

A sua situado geográfica é privilegiadíssima. O local, virado a sul, com uma vista deslumbrante sobre o vale do Âncora e sobre o mar, apresenta condições verdadeiramente singulares. O terreno quase plano, fértil, e banhado por um riacho, a partir do qual se forma o rio que vai desaguar em Vila Praia de Âncora.

Está dividido em diversas parcelas delimitadas com paredes e marcos graníticos, junto das quais existem pelo menos umas 20 a 30 casas redondas de pedra, cobertas com lajes, muito próximas ou ligadas umas às outras. Não apresentam, contudo, quaisquer vestígios de a pedra ter sido trabalhada ou aparelhada com ferramentas.

Numa primeira impressão, mas que apenas cabe aos especialistas avaliar, parece tratar-se não de um povoado de carácter sazonal, mas permanente. Rodeado por três cotos que protege aquele espaço dos rigores do Inverno e dos ventos norte, o local apresenta condições ideais de pastoreio e permanência para pessoas e gado ao longo de todo o ano.
Alias, ainda hoje, curiosamente, pode ver-se como este é o sítio escolhido pelo gado para pastar, pernoitar e proteger-se do frio e do sol estival. E para lá que vão as suas preferências, em particular, agora, os cavalos selvagens, que tanta graça emprestam aquela serra paradisíaca.

Sente-se nesse local uma mística, um encanto e uma paz difíceis de descrever. É um espaço que apela e convida a contemplação, ao enlevo. Não admira, pois, que as gentes de então o tivessem escolhido para viver e proteger-se.
Num destes sábados, logo de manhã cedo, um grupo de Amigos da Serra de Arga, vindos dos mais diversos lugares do concelho de Viana, rumou a este local para pôr a descoberto este povoado completamente escondido por giestas de grande porte, nascidas há cerca de 25 anos, após o grande incêndio que transformou a Serra d'Arga num archote dantesco.

A alegria e a satisfação que reinava no grupo era permanente e contagiante. Liderados por Manuel Paula, em representação da Associação Cultural e Desportiva Montariense, um apaixonado pela sua terra e pela natureza, a quem a Montaria já tanto deve, ao seu abnegado esforço pela preservação do seu patri¬m6nio histórico e cultural, os trabalhos decorreram com grande entusiasmo. Cada um fazia o seu achado, e logo chamava os outros para que fossem ver: "Venham ver esta! Olhem que perfeita!".

Era o encontro do presente com o passado, onde se perscrutava o sagrado das nossas origens. Alguns, de imaginação mais fértil e cómica, chegaram a encenar o quotidiano daquelas gentes. Trabalhou-se e suou-se muito. Mas o que se recebeu foi muito mais do que aquilo que cada um deu. Era essa a imagem gratificante que todos mostravam, ao fim da tarde, e depois de terem partilhado as suas merendas. Todos prometeram continuar.

Venham mais! Há lugar para todos. Fica aqui o apelo.

A limpeza desta estância só foi possível graças ao uso de motosserras, hábil e profissionalmente manejadas por Fernando Pereirinha e Meireles, amigos da Serra de Arga. Os trabalhos irão prosseguir até que tudo fique a descoberto, a fim de este património ser definitivamente classificado.

Manuel da Tianarosa

In Aurora do Lima

Serra D’Arga

Com suas lendas, penedos de virgindade, espólio arqueológico e fontes de águas minerais é zona de grande interesse.

“Abaixa-te, oh! Serra D’Arga
Q’eu quero ver S. Lourenço
Quero ver o meu amor
Acenar-me com o lenço”

Os montes, em sucessão levantam-se entre os rios Lima e Minho. É a Serra D’Arga, componente do maciço que parte dos Pirenéus e avança por Astúrias e Galiza, numa sucessão contínua de montanhas cortadas por ribeiras e rios. A Serra D’Arga guarda muitos segredos que há mais de 2500 anos vai deixando desvendar. Não obstante, ainda vai reservando muitas surpresas.

Poder-se-à associar, etimologicamente a palavra “Arga” a “Agra” que significa rude, áspera, selvagem… O que é verdade é que nunca se conseguiu definir, concerteza, o seu significado! Os romanos chamavam-lhe Monte Medúlio, onde, diz a lenda que:

Numa manhã de Primavera, quando o Egica e a Eulália fugiram a cavalo para longe de Ervígio, pai de Eulália e rei visigodo em Espanha, pois este queria que sua filha casasse com Ramismundo, um guerreiro temido. Os dois fugitivos foram ter ao monte Medúlio, nome dado pelos romanos à Serra D’Arga, ao Mosteiro Máximo, onde chegaram já com os últimos raios de sol a desaparecerem no horizonte.

Aí foram recebidos por um velho amigo do pai de Egíca, que após breve meditação, os casou secretamente. No dia seguinte, mandou-os á presença de uma dama que vivia num castelo próximo e prometeu enviar um mensageiro a Ervígio, anunciando-lhe que tinha feito o casamento entre Egíca e sua filha, para ver qual a sua reacção.
Passados alguns tempos, o monge foi ao castelo dar ao casal a resposta de Ervígio, o qual lhes perdoaria e os receberia se, dentro de um ano, lhe dessem um filho varão, nomeando Egíca, seu sucessor.

Porém, antes de partirem, baptizaram a Serra, que então achavam maravilhosa, com o nome de Serra D’Arga, porque Eulália achava-a parecida com uma enorme agra, isto é um grande campo fértil e cultivado.

Também, conhecida por montanha santa ou montanha mágica, devido às numerosas casas de oração eremitérios que lá existiram, como as Capelas de devoção de S. João D’Arga e Santa Justa esta local de um curioso foco de religiosidade popular, desta feita em romaria exclusivamente feminina que ocorre a 19 de Julho.

Santa Justa protege as mulheres na esterilidade, nas desavenças conjugais e em todo um sem fim de doenças femininas. Este culto devidamente cristianizado apenas continua ancestrais rituais pagão de fecundidade – durante a procissão, solta-se casais de pombas… ofertam-se dádivas incontornavelmente brancas, sejam frangas, pombas, moedas ou estrigas de linho. Isto com a condição de tanto o galispo, como a franga não hão-de ter conhecido galadura.

Também a lenda de Santo Aginha, e do Santo do Chocalho relacionam-se, julga-se, com a presença de leprosos nesta região – constituem aspectos marcantes. Aginha, era o salteador com a cabeça a prémio, regenerado pelas lúcidas palavras do frade que queria assassinar. Morto pelo aldeão que socorrera em momento difícil, na calçada do Outeiro, em plena serra, foi o seu corpo encontrado, semanas depois, sem se decompor.

O receio do povo por aquele homem-fera virou à devoção. A sua imagem venera-se na paroquial de Arga de S. João, na tribuna, do lado da Epistola (no frontispício vê-se a data de 1720).

E é ainda aqui, esta serra de lendas e de muitas histórias que está situado o santuário a Nossa Senhora do Minho. Um local onde todos os anos no dia 1 de Julho, se cumpre uma peregrinação.

São muitos os peregrinos que neste dia, alguns de véspera, sobem a serra para ir ao santuário da Senhora. Peregrinação que é feita, a pé terminando no airoso santuário, no alto da montanha, a 801 m. acima do Atlântico, e de onde se pode ver uma das mais esplendorosas paisagens de todo o Minho.

Reparem que a Nossa Senhora do Minho está vestida com fato de lavradeira de Minhota!

Também de acordo com a tradição popular é a Serra D’Arga, privilegiada pela qualidade das suas águas. Existem diversas nascentes dispersas pela serra, tendo algumas delas propriedades terapêuticas importantes, devido à sua leveza, frescura e pureza. Desde tempos imemoriais que os nativos as sabem aproveitar sabiamente para matar a sede e se curarem das doenças do estômago, intestinos e rins.

Situada na vertente oriental da serra, nas imediações do sítio denominado por Bezerreiras, de acesso até á pouco difícil e onde também nasce o rio Âncora, encontramos a conhecida Fonte da Urze. Trata-se de uma água muito procurada pela sua pureza e propriedades terapêuticas digestivas.

Algumas destas fontes arrastam atrás de si superstições curiosas como por exemplo a seguinte:

“No lugar de Transâncora, na Montaria, há uma fonte, cuja água jorra por duas bicas. Rapariga que beba por uma bica sem beber da outra, verá crescer-lhe mais o seio desse lado”.

Provavelmente esta superstição estará associada às propriedades galactógeneas desta água, tal como acontece com a nascente existente nas imediações da Capela de S. Mamede, conhecida por Fonte do Leite, no lugar de Transâncora, a que fiz referência.

Recolha de texto extraída de:
Pe. Artur Coutinho - ”Mosaicos da Serra D’Arga”
Horácio Faria - ”Estudos regionais”

Dados do percurso

Informação sobre os aspetos mais significativos:

Data2010-01-09
Tempo de deslocação05h 13m
Tempo parado02h 00m
Deslocação média 3,5 Km/h
Média Geral2,5 Km/h
Distância total linear17.8 km
Nº de participantes35