2019-05-11 Por terras da Gavieira

Iniciamos este percurso defronte de uma antiga casa dos serviços florestais, hoje sede da Junta de freguesia da Gavieira, “onde as montanhas tocam o céu”.

A freguesia da Gavieira faz hoje parte do concelho de Arcos de Valdevez, confrontando com o concelho de Melgaço. Foi contudo uma freguesia do extinto concelho do Soajo, criado em 1514 por foro de D. Manuel I e extinto em 1852, no seguimento da reforma liberal no reinado de D. Maria II, e englobava as freguesias de Ermelo, Gavieira e Soajo.

O povoado da Gavieira é muito anterior à formação da nacionalidade e era local privilegiado para a pastorícia de altitude e para a caça, já que era abundante em javalis, corços, veados e ursos, tendo sido fronteira da ocupação das tribos Seurbi (poente) e Quarqueni (nascente) e ao longo dos séculos, local de penetração de diversas forças invasoras.

Rumamos a norte, subindo o vale do rio Grande que cruzamos, atravessamos o interessante núcleo urbano da Gavieira, onde pudemos observar a rusticidade e robustez das suas construções, bem como a pequena igreja e cemitério contiguo e ainda os espigueiros comunitários. Muitas casas, alguns cães mas muita pouca gente vimos, já que por estas bandas a população escasseia e os visitantes são vistos com alguma desconfiança, comum nestas povoações de desterro perdidas na serra, que se dão com os vizinhos e pouco mais.

Seguimos então um troço do PR18 – Trilho Pertinho do Céu, que sobe o rio Grande pela sua margem direita subindo a meia encosta. Este troço tem paisagens espetaculares para os socalcos que vão preenchendo os parcos terrenos cultiváveis das margens do rio, subido como um escadório o vale, até ao limite do penedio.

Deixamos finalmente o PR18, que continua a subida para S. Bento do Cando e infletimos a Este, tomando o percurso de Grande Rota Soajo - Peneda, que cruza o rio Grande e pouco depois desce para cruzar o rio Pomba e inicia a subida pelo Porto de Nossa Senhora.

Se já na margem direita do rio Pomba a subida da calçada nos parecia difícil, quando atravessamos o rio começaram as dificuldades a sério, pois a vegetação desapareceu por completo e começamos a trepar uma calçada ingreme e estreita que ia ziguezagueando encosta acima, autêntico escadório de degraus assimétricos, que nos obrigavam a esforço redobrado.

O sol, o calor e a extensão da subida fizeram mossa, esticando a fila indiana dos que teimavam em trepar a serra, que acabaram por se agrupar já no alto do penhasco, aproveitando para fazer a observação do vale, com vistas espetaculares para a branda de S. Bento do Cando e de Busgalinhas e seus campos de cultivo circundantes.

Aproximava-se a hora de almoço, pelo que partimos sem grandes demoras para a Chã do Monte, com a imponência do alto da Penameda ao fundo.

Segundo alguns teria sido nos contrafortes da Penameda que se teria dado o “milagre” do aparecimento de Nossa Senhora a uma pastorinha que aí cuidava do rebanho de cabras. Os muitos recantos teriam sido também o refúgio de foragidos, que deram origem a várias lendas populares.

O povo acredita que aqui existiu numa lapa a “casinha de Nossa Senhora”, onde no tempo das invasões árabes os refugiados católicos teriam escondido uma imagem de Nossa Senhora, que dispensava favores aos crentes quer se deslocassem a tão inóspitas paragens, já que o local se encontrava em grande parte do ano coberto de neve (daí o título de Srª das Neves).

Outros afirmam que a aparição se deu junto do rio de Tieiras / Peneda, na base do imponente penedo da Meadinha, tendo o Santuário da Peneda sido construído no local.

A paragem para almoço foi no relvado junto a uma enorme mole granítica, que proporcionou uma refrescante sombra aos mais encalorados, sendo contudo muitos os que preferiram relaxar como o lagarto, aproveitando a amena temperatura deste radioso dia de Maio.

Á nossa frente as águas cristalinas da represa da Chã do Forato ou Chã do Monte, que alimentou uma a central hidroelétrica privativa do Santuário da Peneda, com uma potência dos 42 Kw a partir de 3 de Setembro de 1946. Embora já desativada há anos, mantem-se a represa que entretanto criou um verdadeiro oásis de vegetação no meio deste reino de pedra descarnada que é a Peneda.

Junto à margem do lago está a “rocha casamenteira” que está associada à tradição que diz que se as mulheres conseguirem colocar uma pedra no seu topo atirando-a com a mão esquerda, se irão casar no ano seguinte. E o certo é que o topo da rocha estava repleto de pedrinhas, pelo que já houve ou vão haver muitos casamentos apadrinhados pela rocha milagrosa. O Miguel foi o único a atirar uma pedrinha, mas como é homem, já é casado, atirou com a mão direita e nem sequer acertou… não conta!

Foi neste um cenário paradisíaco que convida ao descanso e reflexão, que enquanto uns iam pondo a conversa em dia, outros meditavam aproveitando esse momento de paz e tranquilidade.

Não foi fácil partir… mas o dia ia passando pelo que foi a custo que conseguimos que o renitente grupo arrancasse, atravessando o muro da represa para depois seguir pelo planalto, cruzando de novo a Chã do Monte, desta vez rumo a sul. Passamos entre a Pedra Rajada e as Fragas de Carmona e aproximamo-nos da escarpa pedregosa debruçada sobre o vale do rio Grande, onde pudemos observar o cenário grandioso das inverneiras de Gavieira, Rouças e Tibo lá no fundo do vale, e bem mais a cima, na encosta oposta, as brandas de S. Bento do Cando, Busgalinhas, Junqueira e Gorbelas.

Perante este cenário é fácil perceber a migração destas populações rurais, que se abrigava no fundo dos vales dos gelados rigores dos invernos, migrando depois com a chegada da primavera para as brandas de cultivo e de gado, locais mais altos, mais férteis para a agricultura de subsistência e ricos de pasto para o gado.

Continuamos para sul ora subindo, ora descendo pela penedia agreste desta escarpa até chegar ao Couto da Correlcã, onde tomamos um caminho há muito abandonado, que desce vertiginosamente para o vale. A descida foi muito complicada, pois a inclinação do estreito caminho, aliada à densa vegetação que o ia barrando ao longo da descida, obrigou a muito contorcionismo para vencer as árvores caídas e a densa vegetação.

Mas lá fomos descendo aos poucos, sem problemas de maior, até atingir o estradão florestal que liga o Baleiral à Gavieira, que depois fomos descendo até à junta de freguesia da Gavieira, onde terminamos mais esta nossa saída às terras da Peneda.

Arrumadas as tralhas, fizemos uma curta paragem num café de Rouças, tendo o lavar dos cestos sido em Ponte de Lima no 27, onde nos esperavam umas retemperadoras tripas à moda do Porto e um verde branco divinal.

José Almeida
Vianatrilhos

Notas e pesquisa:

Miguel Moreira
Vianatrilhos

Bibliografia:

Construção do Território e Arquitectura na Serra da Peneda - Fernando Cerqueira Barros
Peneda Altar de Fé – António Paço
Rituais Funerários na Gavieira – José Pinto

Dados do percurso

Informação sobre os aspetos mais significativos:

Data2019-05-11
Hora de início09:44
Hora do fim16:07
Tempo total do percurso6h 23m
Velocidade média deslocação2,0 km/h
Distância total linear12,8 km
Distância total13 km
Nº de participantes27