Pelas cambas à Ermida e branda de Bilhares, este grupo caminhou, sempre com a serra à vista e será, porventura, o que melhor conhece as brandas do Alto Minho. Por estas bandas e brandas pedalaram os Rampinhas (btt), em finais do século passado (!), alguns integrados no Vianatrilhos, como é o caso do Miguel e do Zé Almeida, só para referenciar os destacados caminheiros que devotam o seu tempo de lazer em prol de outros que gostam de caminhar e encontram tudo feito. Uma severa repreensão vai bater à minha porta por esta inusitada alusão, mas não poderia calar a experiência, camaradagem e companheirismo deste dueto, o seu a seu dono, ou melhor, a César o que é de César!
Andamos por terras da Nóbrega, assim conhecida Ponte da Barca, até alturas do sec xv, terra natal dos irmãos poetas, frei Agostinho da Cruz e Diogo Bernardes, cujo ponto geográfico mais altivo é o Coto do Muro, com 1361 m, na Louriça, em plena serra Amarela, aquela que não vem no mapa e se reveste das lindas cores verde e amarela e nos separa do Gerês, do distrito de Braga e do Baixo-Minho.
A pontualidade marcou o arranque das viaturas na direcção de Entre Ambos – os - rios e em Lourido foram estacionadas, para início desta caminhada. Descemos ligeiramente para o rio Froufe que nasce na serra amarela e por entre corgos e fragas vai desaguar de mãos dadas com o Carcerelha no rio Lima, que os romanos chamaram de Lethes.
Quando morria alguém na Ermida, os funerais seguiam pelas cambas, quando o único trajecto se fazia por aqui até ao cemitério, que jazia no sopé, em que os acompanhantes se faziam transportar de comes e bebes e, em bancos de pedra adrede colocados ao longo do caminho, descansavam, comiam e bebiam…era mesmo uma cambada das antigas!
Os Rampinhas definiam estas cambas do seguinte modo “carreiro de pé posto que, em torcicolos vai subindo o espinhaço do monte, por vezes talhado em degraus na rocha lisa. Por aí se faz (fazia), a dorso de muar ou de gente, todo o intercâmbio comercial…”
Lá atravessamos nas empondras do Froufe, rio para lá, rio para cá, com quedas de arrepiar qualquer truta, até que apanhamos o trilho original, outrora bem demarcado e limpo de vegetação e por onde passavam os carros de bois reduzidos no tamanho e típicos desta aldeia. Na subida, as giestas abafavam a urze e o tojo, escondendo o carreiro e dificultando a caminhada. Quanto mais subíamos, mais as giestas atrapalhavam a escalada, havendo necessidade de romper o caminho com as mãos…se a catana do Pimenta funcionasse, não havia necessidade…e para azarar o esforço dos caminheiros a chuva não se ficou pela ameaça, passando à molha efectiva, ainda que transitória.
Chegamos ao alto da Ermida, a mais sertaneja de todas as aldeias de montanha desta serra, de cara lavada e ruas empedradas, ladeadas de casebres de pedra solta e tosca, em tempos idos cobertas de colmo, a cheirar a rosmaninho e giesta à mistura com aromas das cortes dos animais; atravessamos esta vetusta aldeia, onde o saneamento e a luz, digo, electricidade, tardaram a chegar, coisas de tempos modernos; quase não vimos pessoas, era meio-dia, hora da janta para quem se levanta cedo, e nós, com hábitos citadinos, do facto estranhamos, mas a vontade de chegar à branda de Bilhares para piquenicar tornava-se evidente.
Acabamos por empreender toda a potencialidade física de caminheiro destemido para vencer a encosta de acesso à branda, pagando bem caro a aventura do mais difícil; por aqui foi encontrada a pedra dos namorados e são patentes os vestígios arquitectónicos de ocupação castreja. Idêntica a tantas outras, a branda de Bilhares constituiu segunda habitação para o pastoreio e cultivo nos meses de veraneio, aliás, típico da transumância das populações serranas, regressando à aldeia ou brandas de inverno (inverneiras), em zonas mais baixas, nos meses de Outubro a Março.
O rio Froufe, a descer em catadupa por entre fragas há milhares de anos, vai esculpindo nas rochas e cantando por entre carvalhos, bétulas e freixos, com a serra Amarela de vigia lá bem no alto, e nós a subir, penando entre tojo e carqueja, até que Bilhares nos apareça, para sossego das pernas tremulantes, finalmente! Aqui, com o apetite de um prato suculento e um bom vinho verde, o desejo de muitos, caía que nem mel na sopa, mas tiveram de se contentar com o panorama rústico envolvente e agarrarem-se a um filete ou patanisca.
Nuvens negras apressaram a descida para a Ermida, quando se dá a reunião do grupo porque a inglesa veterana e vegetariana Louise fazia anos e junto a uma destelhada casa da branda cantamos os parabéns, com pulmões de montanha, notando-se alguma emoção na sua frieza de temperamento.
A visita ao café do Carvalhal, outrora mais tasca, não podia faltar. O afamado invisual tocador de concertina, com renome além-fronteiras, proporcionou a todo o grupo a audição de três modinhas de folclore. Em jeito de debandada, demos uma olhadela, passe o termo, ao museu e nele pudemos ver num espaço envidraçado os pré-históricos exemplares da estátua menhir que serve de símbolo heráldico ao brasão da Ermida e a tal pedra dos namorados, a par de alfaias agrícolas que nos anos cinquenta do século passado (XX) eram instrumentos de trabalho.
Aprontamo-nos para descer, porém, a foto geral junto à placa turística da Ermida foi tirada e ali ao lado a imagem da senhora do mesmo nome parecia abençoar quem a esta terra vem, mas a descida em paralelo e asfalto até Lourido acabou por aquecer as solas do calçado, com 16 Km andados.
Cá em baixo na povoação, na aproximação dos carros, o Rego alertou para uma placa inscrita na parede de um edifício que dizia “casa da comenadeira”, curioso título que nos deixa sem saber o que pode significar, e mais à frente repara na talha de uma porta de espigueiro com motivos célticos (?). Na hora da despedida, a dispersão é fatal, de regresso a penates, uns vão pelo “27” em Ponte de Lima e outros seguem um rumo mais caseiro, porém, em Lavradas, a viatura do Abreu, que transportava o Carlos, Miguel e o Luís, resolveu parar junto ao restaurante “O companheiro” – telefone nº 258455255, por falta de combustível (!).
Bendita a hora que tal aconteceu, porque estávamos na terra natal do Abreu e de conversa em conversa acabamos por saber que se tratava de restaurante gastronomicamente creditado, ao que parece, desde os rojões ao cozido à portuguesa (o Meixedo não gosta de cozido…), à posta barrosã com arroz de feijão malandro, pica no chão ou bacalhau assado, com vinho da monocasta vinhão da zona, é de recomendar e ser encomendado, em que o “iva” a pagar por pessoa ronda, por excesso, a “décima” em euros do imposto devido.
Ponte da Barca é terra de comer bem, sendo a posta barrosã com arroz de feijão malandrinho o prato “ex-libris” regional, do vinho nem vale a pena falar. Mas, já que abordei o vinho de Ponte da Barca, ou melhor, da adega cooperativa, podemos escolher o branco ou tinto, branco meio seco, branco loureiro, Terras da Nóbrega branco e tinto e, ainda, aquela que foi a grande aposta da adega: o tinto vinhão, com a sua cor intensa e a envolvência do aroma. Para finalizar este cabaz, a aguardente velha da adega é de excelência, obtida a partir da destilação do vinho verde das casas regionais, depois de um longo processo de envelhecimento em cascos de carvalho.
Dou por fim todo este arrazoado, recordando a máxima local: quem faz amor na Ermida fica preso toda a vida…mas sempre pensei que o tradicional era quem bebesse da água é que casaria na Ermida…eu bebi água, não fiz amor, logo por aqui não ficarei…non lo creo, pero que las ay, ay!
Luis Gonçalves
Vianatrilhos
Informação sobre os aspetos mais significativos:
Data | 2012-05-19 |
Tempo de deslocação | 04h 56m |
Tempo parado | 01h 56m |
Deslocação média | 3,3 Km/h |
Média Geral | 2.4 Km/h |
Distância total linear | 16.5 km |
Nº de participantes | 25 |