Eram 09.30 quando chegamos a Pitões. Estava sol, mas um vento frio e cortante recordou-nos que estávamos na serra, a uma altitude considerável, pelo que lá fomos tirando os abrigos, preparando-nos para a jornada, que se adivinhava longa e dura.
O encontro foi no largo do Preto, onde se nos juntou a guia - Helena Carrito da Naturbarroso, que se disponibilizou para nos conduzir até aos Cornos da Fonte Fria.
À saída de Pitões, tomamos o estradão que ruma a norte, na direcção da fronteira Espanhola e logo depois de cruzar a ribeiro de Valongo, inflectimos à esquerda, tomando o estradão de acesso ao Outeiro do Grosal.
Aí deparou-se-nos uma equipa de guardas do parque, que nos aguardava, talvez pelo conhecimento proporcionado pela divulgação que fizemos pela Internet, com vista a impedir a nossa progressão.
Lá nos foram dizendo que tínhamos que ter feito um pedido antecipado para fazer esta incursão no PNPG e só depois da autorização ser concedida, nos seria permitido a ida a essa zona protegida – Ai a burocracia!
O companheiro Mesquita e a guia Helena, lá foram dizendo que este grupo não tem existência formal e não é mais que um grupo de amigos, que vai fazendo percursos pedestres, de um modo desinteressado, pelo que não fizemos o pedido formal para esta actividade, até porque pensávamos que esta zona do parque não tinha grandes restrições.
Os guardas foram atenciosos, mas firmes na recusa em nos deixar subir aos Cotos, alegadamente para não incomodar as cabras no seu habitat, tendo no entanto acabado por condescender na ida até próximo da Fonte Fria, comprometendo-nos em não ultrapassar, em caso algum, a ribeira Corga da Tulha.
Passados estes momentos críticos, que quase deitaram por terra esta jornada, lá fomos avançando mais aliviados, mas cientes da necessidade de futuramente passar a fazer o pedido antecipado, de modo a evitar mais problemas burocráticos.
Descemos aos Fornos e depois de cruzar a ponte de troncos da ribeira dos Fornos, iniciamos a subida para a Fonte Fria, tendo circundado a imponente Fraga da Brazalite e continuado junto à Corga da Tulha até à Fonte Fria, sem nunca ultrapassar a ribeira, conforme as orientações dos guardas do parque.
Entretanto, desceu um forte nevoeiro que nos teria impedido de qualquer tentativa de subida aos Cornos, mesmo que para tal houvesse a tal autorização, pelo que o grupo regressou aos Formos, para fazer a pausa do almoço.
Um pequeno grupo teimosamente continuou até à fronteira Espanhola, tendo cruzado o marco 200, mas logo regressado, pois o nevoeiro era cada vez mais e punha em perigo a orientação para o regresso, já auxiliada pelo GPS, sempre indispensável para estas andanças.
Já reunidos, iniciamos rapidamente o regresso pelo mesmo caminho, tendo entretanto o nevoeiro levantado, tão depressa quanto apareceu, deixando então divisar claramente os Cornos e toda a envolvente.
É realmente um espectáculo! Fica para a próxima!
Chegados a Pitões, os mais cansados recolheram para merecido descanso, mas os mais teimosos foram pelo caminho antigo até Juriz, apreciando o altar em que pousavam o santo na peregrinação a S. João da Fraga e depois o Castelo de Juriz, encimado por cruz de pedra incrustada no enorme penedo.
Um pouco mais à frente cruzamos a Aldeia Velha de Juriz, antigo castro, quase completamente oculto pela vegetação e depois fomos até ao Porto da Laje, onde anualmente se faz a festa de S. João da Fraga, tomando finalmente o caminho novo, agora totalmente calcetado, que nos conduziu a Pitões.
É uma subida íngreme, curta mas dura, que obrigou a
um esforço extra, ultrapassado por alguns menos
preparados, ou mais preguiçosos, pelas boleias que o
Filipe Barroso e Pimenta proporcionaram.
Ai este caminheiros motorizados que tão facilmente
desistem!
Os que ficaram foram à posta barrosã, aproveitando o Pimenta para a oferta aos presentes de uma lembrança, muito apreciada por todos.
Findou assim mais uma jornada, em que o suspense inicial, de desastre eminente, acabou por se tornar num dia muito interessante e enriquecedor.
Os agradecimentos à Helena e muito especialmente ao Mesquita, que mais uma vez foi inexcedível na organização e logística.
José Almeida
Vianatrilhos
A propósito da nossa caminhada aos Cornos da Fonte Fria pareceu-nos interessante divulgar alguns textos sobre este Santo e os caminhos que juntos iremos percorrer.
Começando por um dos mais antigos e credíveis, que passamos a transcrever de páginas 107 e 108, do volume VII, do PORTUGAL ANTIGO E MODERNO por Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho Leal (Lisboa, 1876):
«Tinha o abbade de Junias (fr.Gonçalo), duas annexas, uma no reino de Galliza, a que chamavam SANTA MARIA DE CELLA, e outra n’este arcebispado, a que chamavam S.ROSENDO, às quaes hia muitas vezes prégar e cumprir com as obrigações que lhe incumbiam, como prelado. Retirando-se de Cella, onde se tinha hido enterter em tão santos e caritativos empregos, e dizendo missa no caminho, em um domingo, vespera da Purificação de Nossa Senhora, n’ella lhe foi revelada a sua morte, como deu a intender aos assistentes, que foi d’esta sorte.
Como na noite antecedente tivesse nevado em tanta quantidade, que estava a neve de altura de dois metros, principalmente na eminência de um monte, no sitio a que chamavam FONTE FRIA, chegou a elle tão debilitado, que não podendo resistir entregou a alma ao Creador, que querendo dar a conhecer ao mundo a santidade do seu servo, mandou repicar os sinos de Junias e Cella, por invesiveis mãos.
Vendo os monges prodígio tão inaudito, se persuadiram que alguma desgraça
havia succedido ao seu abbade, por occasião das neves.
Ajuntaram quantidade de homens do logar de Pitões, para que abrindo-lhes
caminho, pelas neves, podessem procurar o santo abbade, a quem emfim
acharam, entre as neves, com o corpo exanime, de joelhos, e com os olhos e
mãos levantadas ao Ceo, como achara Santo Antão, abbade, a S.Paulo, primeiro
erimita da Thebaída.
Confusos e admirados ficaram os monges com tão singular prodígio, e louvando todos o Altíssimo, porque permittiu tivesse aquelle seu servo semelhante morte, levaram o santo cadaver para o mosteiro de Junias, onde não cessaram os sinos de tocar, senão depois de o terem dado à sepultura, no 1º. de fevereiro de 1501.»
Passemos então a um outro texto, de princípios do século XX, de que vamos transcrever a pág. 502, do volume V, do GUIA DE PORTUGAL – Trás-os-Montes e Alto-Douro (I. Vila Real, Chaves e Barroso) por Sant’Anna Dionísio e outros (Fundação Calouste Gulbenkian – 2ª edição – 1987)
«Um dos abades de maior renome do recolhido cenóbio foi Frei Gonçalo Coelho, que ao mesmo tempo que dirigia a vida monacal, pastoreava duas freguesias, mas bastante afastadas, em Portugal a de Pitões e na Galiza a de Cela. Numa das suas longas jornadas paroquiais, em plena quadra dos nevões, morreu, a sós, enregelado, num dos desfiladeiros da serra do Gerês, perto da chamada FONTE FRIA.»
Vamos agora transcrever um texto de Frey Damian Yañes Neira, retirado do seu trabalho «A abadia de Júnias no caminho de S. Rosendo», inserto em Comemorações do Milenário de S. Rosendo (977-1977) em Montalegre e Pitões das Júnias (edição da Câmara Municipal de Montalegre – 1978), que julgamos o mais competente e erudito até hoje conhecido.
«Logo emudece por completo a documentação até à segunda metade do século XV em que nos oferece novas notícias agradáveis ao máximo. Durante o governo em Osseira de D. Suero de Oca (1485-1512) – personagem de grande relevo histórico -, encontrava-se à frente de Júnias um varão de origem portuguesa.
Chamava-se Fr. Gonçalo Coelho, que tinha ingressado em Osseira e suas virtudes exímias o fizerem digno de ser sublimado a governar a pequena abadia portuguesa. Ali se encontrava à frente dos seus monges, quando um dia reclamaram seus serviços na freguesia de Santa Maria de Cela. Rapidamente se pôs a caminho atravessando por meio da serra asperíssima sucedendo o que nos transmitiram os historiadores: «depois de celebrar deante de seus fregueses, voltou ao seu mosteiro e no cume do monte ficou morto, entre penedos e perigos muito grandes.
Mostrou Deus milagrosamente a morte deste santo, porque os sinos dos mosteiros de Júnias e Cela tocaram sem nin guém chegar a eles. E quando se soube da sua morte, reconheceram o milagre e foi enterrado S. Gonçalo em Santa Maria de Júnias com muita veneração e respeito. É tido por santo e por isso se mostra a sua cabeça e em certos dias acodem em romaria os vizinhos daquela comarca e dizem que voltam contentes dos bons resultados que têm em sarar das suas enfermidades».
A este relato de Yepes (Fr. António de Yepes, Corónica General de la Ordem de San Benito, Valladolid, 1618) acrescenta Peralta (Fr. Tomás de Peralta, Fundación, antiquedad y progressos del Imperial monasterio de Osera, Madrid, 1677) mais detalhes: «Era no mais rigoroso do Inverno, que à volta se enfureceu de forma tal, juntando o ar lá no alto tantos montes de neve, que sem poder atravessá-la, nem voltar atrás, ficou atolado nela». Ajunta o singular toque dos sinos por si sós, e tendo saído os monges à sua busca, «encontraram-no posto de joelhos, o rosto no céu e as mãos em cruz, trespassado e hirto com a neve, que era preciso ser muita a que pôde sufocar todo o fogo de tão grande caridade».
«Viram-se ali lágrimas que fizeram derramar dois afectos contraditórios, o amor da perca de tão grande pai, e a alegria de o ter encontrado. Entre pêsames e parabéns trouxeram o corpo ao convento onde esteve com veneração de santo pouco tempo, porque tendo vagado na morte do sucessor aquela abadia, a impetrou Estêvão da Costa, clérigo secular e apoderou-se dela, excluídos os monges que se retiraram para Osseira».
Foi nesta ocasião quando parece que se fizeram desaparecer os documentos a fim de apagar os vestígios de dependência entre aquela casa e a de Osseira, trasladando-se as relíquias do abade santo à sede bracarense.
(...)
A existência de S. Gonçalo e abade de Júnias, oriundo de Portugal, está comprovado com toda a evidência pelo testemunho de Peralta que viu os documentos e mais ainda porque presenciou no seu tempo a devoção popular ao sepulcro do santo, cuja cabeça se expunha à pública veneração dos fiéis em distintas ocasiões. A sua canonização não foi efeito de um processo informativo de virtudes e milagres como se faz hoje, mas por aclamação popular por ocasião da sua morte nos alvores do século XVI.
«Há devoção – sintetiza Yepes – na terra com aquele posto, e vão muitos em romaria pelas grandes relíquias que nele se mostram, e entre elas é a da cabeça de um abade de Júnias, Monge Cisterciense, que naquela terra chamam S. Frei Gonçalo, que é o mesmo que Gonçalo». O que não podemos comprovar é a afirmação de Lenssen, de ter recebido S. Gonçalo culto litúrgico no mosteiro de Osseira. Parece-nos carecida de sentido tal afirmação, pois se faleceu em 1501 e o culto começou a dar-se-lhe em 1534, deve de ser depois de entrar a abadia na Congregação de Castela (1545) sobre o qual não existe o menor indício, nem Peralta nem algum documento falam deste particular.
Por fim, e da obra atrás citada GUIA DE PORTUGAL, vamos transcrever uma IMPRESSÃO da autoria do jornalista Marques da Cunha, que se encontra a pág. 500, e que traz um original sinónimo para CORNOS (chifres, chavelhos, hastes, galhos, cotos e etc. que vulgarmente se encontram nos dicionários) e cuja verificação/validação deixamos ao critério de cada um.
«Longe do bulício do mundo, num isolamento profundo e silencioso, a aldeia de PITÔES parece adormecida no aconchego dum vale da formosa serra da Mourela, entre os penhascosos relevos do Gerês e de Larouco.
Modesta e recatada, fica muito longe, num dos pontos mais longínquos e menos visitados de Portugal. Não há decerto povoação mais castiça que esta «aldeia humilde», onde tudo é expressão duma vida primitiva e ingénua. (…) Seus limites não figuram nas cartas geográficas do nosso País. Os naturais costumam defini-los ainda por uma série de «cruzes de termo» que se erguem, aqui e além, nos píncaros da Mourela e do Gerês, assim como nas portelas de Tourém, de Requiães e da Fonte Fria. Sobre esta última baliza colocou a Natureza dois relevos cónicos de rocha viva – que, vistos à distância, parecem, uma visão estranha, os MAMILOS de uma «deusa votiva».
Vamos então a descobrir e tocar.
PORTUGAL ANTIGO E MODERNO
Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho Leal
Informação sobre os aspetos mais significativos:
Data | 2007-05-26 |
Tempo de deslocação | 06h 11m |
Tempo parado | 02h 27m |
Deslocação média | 3,6 Km/h |
Média Geral | 2,6 Km/h |
Distância total linear | 22.2 km |
Nº de participantes | 21 |