2004-10-02 Travessia Portela do Homem - Pitões das Júnias

O ponto de partida era junto ao posto de fronteira da Portela do Homem, entrada no PNPG.

Estava marcada a saída para as 07.30, conjuntamente com um grupo de Lisboa - Andarilhos, que se nos juntaria na travessia.

O encontro falhou por um imprevisto e lá foi o nosso grupo de 19, mais 3 companheiros das Pernas Longas, a que se juntou em cima da hora, o Luís Gonçalves com mais 3 companheiros, perfazendo 26 participantes.

Descemos ao longo da estrada de alcatrão passando pelo bosque do Curral de S. Miguel para um pouco mais à frente atingir a Ponte de S. Miguel sobre o Rio Homem. Aí se encontra a cancela que marca o início do estradão de acesso às Minas dos Carris.

Caminhamos assim até à "Chã das Abrótegas" onde podemos ver os vestígios de uma antiga branda.

Depois de uma longa espera pelos mais atrasados, decidiu-se quem iria fazer a travessia. Após algumas hesitações, encontraram-se 17 voluntários, ficando os restantes de regressar ao ponto de partida depois do almoço nos Carris.

Já perto do alto dos Carris, apareceram 2 companheiros dos Andarilhos, que entretanto subiram a "todo o gás", seguindo connosco na travessia.

Depois da foto de grupo junto à capela da mina, tomamos o trilho à direita, seguindo para o local da lavagem de minério das Minas de Carris, onde fizemos uma pequena paragem para apreciar o Corgo de Lamalonga, local onde se depositaram os resíduos da lavagem do minério, ao longo do período de laboração da mina.

Descemos depois, junto do edifício da lavagem, atravessando para o vale da Ribeira das Negras, junto ao Pico da Matança. Avançamos logo de seguida para o Corgo das Lamelas, tendo pela esquerda o Pico do Compadre, atravessando depois para o Corgo das Lamas do Compadre, onde paramos para fazer um breve refeição.

O tempo para o descanso foi muito curto, pois o dia já ia adiantado e sabíamos bem a dificuldade do percurso restante.

Continuamos para a travessia dos Cornos da Candela, local de onde se vislumbra, pela primeira vez, o nosso destino final - Pitões da Júnia. Aqui o cansaço ia-se acumulando, prejudicando já o rendimento de alguns, que se iam atrasando sistemáticamente na travessia das muitas dificuldades do percurso.

Transpusemos o Corgo da Pala Nova e seguimos, sempre a meia encosta, na direcção de S. João da Fraga, bem visível, pela cor branca da capela, que encima a enorme fraga.

Rodeamos a fraga e apanhamos à direita o caminho de acesso a S. João, descendo para o Carvalhal do Teixo, que transpusemos, passando no local em que é feita a romaria.

O último esforço foi a penosa subida final para Pitões das Júnias.

Aí conseguimos finalmente a ajuda de prestáveis motociclistas, que ajudaram no transporte das companheiras mais combalidas.

Depois das despedidas do grupo Andarilhos que nos aguardava em Pitões, lá fomos por Espanha até à fronteira da Madalena, seguindo depois até aos Arcos de Valdevez, onde retemperamos as forças num excelente jantar na "Costa do Vez".

José Almeida

Amigos da Chão

“Os Amigos da Chão” secção de montanhismo e pedestrianismo da Sociedade de instrução e Recreio de Carreço (SIRC), integrado na sua programação anual de actividades, realizaram no passado dia 02/10/04 a travessia pedestre da serra do Gerês.

Caracterização da serra:

A serra do Gerês encontra-se situada no norte de Portugal abrangendo as províncias do Minho e Trás-os-Montes, estando integrada no único Parque Nacional Português (PNPG).

A serra estende-se na direcção NE-SO, desde os Cotos da Fonte Fria em Pitões das Júnias (Montalegre), até Rio Caldo junto á vila do Gerês (Terras do Bouro), tendo um comprimento de cerca de 35Km por 18Km de largo.

Escreveu sobre ela LINK: «Nenhum viajante a visitará sem deleite»

O seu relevo montanhoso e os seus planaltos agrestes, marcados por enormes massas graníticas, são cortados por rios e ribeiros que descem em cascata, terminando alguns em lagoas de albufeiras como a de Vilarinho das Furnas no rio Homem.

Nas zonas mais altas encontram-se vestígios de glaciações: circos, rochas estriadas, pequenas lagoas, vales em U.

Na serra, de quando em quando, encontram-se Chãs ou Prados (que os naturais chamam de Currais), onde os gados se reúnem no período de pastoreio (de Maio a Setembro), existindo na maioria pequenas cabanas de pedra solta cobertas de relva e terra batida, que se denominam de “Fornos” e servem no Verão de abrigo aos pastores.

Também aqui se encontram os mais notáveis vestígios de vegetação arbórea espontânea que revestia quase completamente a maior parte deste território. É quase sempre o Carvalho-negral que predomina, coexistindo com uma diversidade impressionante de fetos, musgos, liquens, cogumelos e plantas como o ameaçado Azevinho. Existem matos onde pode ser encontrado o Lírio-do-Gerês, só existente nesta zona do país (endemismo), mas que são constituídas maioritariamente pelas urzes, giestas, tojo, carqueja, gramineas e zimbro. Este ultimo, a par com o Pinheiro-silvestre, o Teixo, o Vidoeiro e o raro Feto-do-Gerês, são verdadeiras relíquias da flora glaciar. Das diversas influências climáticas resulta por vezes uma flora inesperada, sendo exemplo os Sobreiros e Carvalhos-roble. Nas zonas com maior elevação podem ser encontrados locais permanentemente alagados, onde as plantas carnívoras, com destaque para a Orvalinha, marcam uma presença característica.

A fauna que aqui se encontra, moldada pelas mesmas condições ecológicas, está representada por diversas espécies de mamíferos com destaque para o Lobo, o Corço, a Lontra, o Javali, a Raposa, o Toirão, a Gineta, Texugos, Garranos (cavalos). No que respeita ás aves, assumem especial importância a ameaçada Águia-real, o Peneireiro, a Coruja-do-mato e os Chapins. Nos repteis é de salientar a Vibora-de-seoane, de distribuição restrita, e a Vibora-cornuda, para além da Cobra-de-água, Lagarto-de-água e Sardão. Nos anfibios ressalta a rara Salamandra-lusitânica, os Tritões, a Rã-ibérica, e o Sapo-parteiro.

Perdidos para sempre num passado mais remoto estão o Urso-pardo grande predador desaparecido em meados do séc. XVI, admirador requintado do mel de carqueja que os agricultores ainda produzem desde há muitos séculos, desaparecido na mesma altura em que Camões escrevia que «Verdes são os campos da cor de limão», e mais tarde a Cabra selvagem (Montês) que sucumbiu ao ritual dos trofeus de caça, no final do séc. XIX, estando nesta altura a ser introduzida.

Os pontos mais elevados da serra culminam nos 1456 metros da Fonte Fria, e nos 1545 metros da Nevosa (Carris) o cume do PNPG.

Dentro da área periférica da serra, nos recôncavos, aninham-se povoações humildes e morenas, e a presença do homem nestas paragens já ultrapassou os 50 séculos, facto provado pela abundância de antas, geiras, pontes romanas, castros e igrejas antiquíssimas, que formam no seu conjunto um valioso património.

A serra do Gerês, pela farta e variadíssima flora que a reveste, pela abundância e frescura das suas águas, pelo deslumbramento dos seus horizontes, é decerto a mais interessante zona montanhosa de todo o país e a que faz verdadeiramente jus à denominação de « Paraíso dos Caminheiros»

A Travessia

Dia 1 de Outubro (sexta feira) 18h30 da tarde, saímos de Viana rumo ao Campo do Gerês, local onde resolvemos pernoitar, para podermos de manhã estar mais frescos. Há noite depois de jantar fomos dar um pequeno passeio até ao parque de campismo de Cerdeira, ponto de encontro de quem gosta destas actividades, e onde tive a agradável surpresa de reencontrar o Filipe , companheiro destas andanças, e que já não via a alguns anos, guia de percursos dos mais conhecedores desta região, que nos alertou para as dificuldades da travessia.

Sábado, tocou o despertador, eram 06h00 da manhã, espreitei pela janela e o dia ainda não tinha nascido, mas havia que por a pé pois a jornada previa-se longa. A senhora da pensão, sempre alegre e bem disposta serviu-nos o pequeno-almoço. Depois foi sacos e mochilas nos carros e arrancamos, pois tivemos que fazer o percurso entre o Campo do Gerês e a Portela do Homem.

As primeiras luzes do dia deixaram-nos ver já os contornos da albufeira de Vilarinho das Furnas, e lá na margem contrária, encaixada no fundo de um vale entre dois montes, aquilo que resta da aldeia sacrificada. Seguimos serpenteando ao logo do estradão da Geira, via romana que atravessa a serra, intocada pela proveta idade de 20 séculos, que os romanos baptizaram de via XVIII, no itinerário de Antonino, que ligava Bracara Augusta (Braga) e Asturica Augusta (Astorga), no lado espanhol, da província da Hispânica Citerior. Fomos passando por marcos miliários que assinalavam a distância percorrida pelas legiões militares. A presença dos pilares de granito parece até fazer parte da paisagem. A vegetação é luxuriante, sentimos o fresco da manhã ao atravessar a mata da Albergaria, e por vezes entre a vegetação podiamos avistar o rio pedregoso que é o Homem. Ao Chegar a uma estrada em alcatrão, viramos em direcção da Portela do Homem, fronteira com Espanha, local em que se estacionaram as viaturas. Eram 07H30 quando chegaram vindos de Viana o Luís Gonçalves com mais três companheiros, assim como o Jorge Mota do grupo dos Pernas Longas do Porto com mais dois. Faltava chegar o grupo dos Andarilhos de Lisboa com quem se tinha combinado a travessia. Enquanto se esperava e trocavam conversas, eis que tocou o telemóvel, e a noticia que o grupo dos Andarilhostinha ficado retido toda a noite sem gasolina em Venda Nova. Como não iam chegar a tempo, mandaram dois companheiros num táxi para nos acompanharem e assim fazerem o reconhecimento do percurso.

Eram 08H00 da manhã quando foi dado o sinal de inicio da marcha, mochilas às costas, lá fomos nós, descendo ao longo do estradão que atravessa o bosque do Curral de S. Miguel até se atingir a ponte de S. Miguel no rio Homem, local onde uma queda de água no verão faz a delicia de muita gente. À esquerda abria-se o caminho de terra e pedra que leva às antigas minas de volfrâmio dos Carris. Transporta a cancela que impede a passagem de viaturas TT, seguimos ao longo do caminho, tendo por companhia pelo lado esquerdo o rio Homem e a “Encosta do Sol” que no Inverno com o aumento das chuvas origina quedas de água de belo efeito. Pelo lado direito, mais sombrio, grandes fraguedos se elevam, com “corgas” de vegetação muito densa.

O caminho composto por pedra solta, segue sempre serpenteando por entre um mar de vegetação, repetindo as curvas do rio Homem, cada vez mais lá no fundo. As pedras das margens são muito brancas e brilhantes, polidas pelo sol e lavadas por águas que descem com parcimónia.

Passamos pelo local da Água da Pala onde fizemos um ligeiro descanso, e mais á frente cruzamos uma pequena ponte entre enormes fragas que parecem fechar o vale, logo depois atravessamos uma zona mais aberta até atingirmos a “Chã do Teixo” e um pouco mais acima a “Chã das Abrótegas” local em que podemos ver um “Curral” e antigos abrigos de pastores, e onde aproveitamos para fazer o reagrupamento. Entretanto chegaram também os dois companheiros dos Andarilhos que fizeram a subida “a todo o gaz”

Após caminharmos durante mais algum tempo atingimos as Minas dos Carris ou o que delas resta. O cume tem o aspecto de montanha com espécies vegetais muito discretas e esparsas, cujas flores tardam a aparecer, aqui só o Zimbro se dá bem com as alturas e só a rôcha flor-do –outono se abre nesta altura do ano. As minas ou melhor, as velhas casas dos mineiros, não são mais que um amontoado de ruínas sobre as fragas polidas. Sobre nós rodeado de rochedos inóspitos, era o panorama infinito da Nevosa, ponto mais alto da serra do Gerês no “Altar dos Cabrões” 1545 metros, miradoiro deslumbrante de terras galegas e alturas do Barroso.

Devido ao mau piso do trajecto já percorrido, houve companheiros que entenderam por bem não continuar, preferindo voltar para trás e explorar a zona.

Depois da foto da praxe de todo o grupo, e das despedidas, foram 19 os mais arrojados que decidiram avançar, não sem antes bem do alto se admirar o grande e maravilhoso Vale de Lamalonga, local para onde escorriam e se depositavam os resíduos da lavagem do minério no período de laboração das minas, e por onde tivemos de descer através do canal que parte das ruínas do edifício da lavagem e que em algumas zonas se encontra destruído, originando em alguns sítios perigosa a descida.

Conforme iamos descendo tínhamos oportunidade para ver ao logo da encosta, tudo aquilo que resta das minas, e olhando para poente uma brecha escura entre dois morros, local denominado de “Salto do lobo”.

Cada vez mais, nos iamos embrenhando na imensidão da serra e num isolamento, onde talvez só os mais audazes se aventuram.

Saímos do Vale de Lamalonga contornando pelo Norte o Pico da Matança e descemos através da penedia cruzando o vale da Ribeira das Negras e mais à frente no Corgo de Lamelas o ribeiro da Bíduiça, onde cruzamos com dois caminheiros que tinham partido de Xertelo e iam para os Carris. Subimos novamente outra encosta tendo pelo Norte o Pico do Compadre, que fomos contornando, para voltar a descer e atravessar outro ribeiro no Corgo das Lamas do Compadre, local em que junto a um pequeno bosque de Pinheiros Silvestres resolvemos fazer um breve reabastecimento (eram 13H15).

Durante o reabastecimento e em pleno sossego da imensidão da serra em amena cavaqueira do momento, não se pôde deixar de pensar que não deverá existir forma mais intima de conhecer a serra do Gerês, se não a pé, cruzando os seus vales povoados de carvalhos e percorridos por ribeiros de aguas límpidas, trepando encostas íngremes e pedregosas que desembocam em promontórios rochosos, calcorreando estreitos carreiros de cabras e calçadas de granito que nos remontam a outras épocas...

“Caminhar no Gerês é assim desfrutar desse mágico ambiente de montanha, é ir ao encontro de uma terra na qual perduram ainda raízes de uma natureza pouco alterada onde provavelmente, a maior virtude é o isolamento que podemos experimentar em algumas zonas mais remotas, em que o silêncio mitiga aqueles que procuram a tranquilidade”.

Mas havia que continuar, o esforço já se ia cumulando, o dia avançava, e sabiamos bem as dificuldades do que faltava percorrer.

Mochilas novamente às costas, pela frente o Corgo de Candelas, local de avanço mais complicado e em que na transposição de um pequeno ribeiro aconteceram inesperados mergulhos que não tiraram o ânimo, tendo sido até motivo de brincadeira. Logo surgiram imponentes os “Cornos de Candela” que ultrapassamos como sempre a  corta-mato e após penosa subida vermos pela primeira vez, lá ao longe o nosso objectivo final, a aldeia de Pitões das Júnias. Aqui o cansaço já ia prejudicando o rendimento de alguns, que se iam atrasando perante as dificuldades. Mas para trás não podia ficar ninguém, pois ninguém queria passar a noite na serra. O percurso aqui foi feito bem no alto a meia encosta, procurando local onde por os pés entre a penedia e o mato. Após abrupta descida chegamos ao “Corgo da Pala Nova” que acompanhamos até se atingir no “Currachão” o ribeiro de Teixeira, belo local com maravilhoso bosque de carvalhos e onde já nos aguardavam os mais avançados. O ânimo levantou-se um pouco, pois já se avistava o cume do morro onde sobre enorme fraga se encontra instalada a pequenina capela de S. João da Fraga, local em que:

 “Frei Gonçalo no cumprimento dos seus deveres pastorais (Pitões e Cela no outro lado da fronteira), surpreendeu-o a neve, o frio e a noite em plena serra do Gerês, por alturas dos cornos da Fonte Fria, onde faleceu enregelado no dia 2 de Fevereiro de 1501.

Os frades das Júnias, acompanhados de numerosos populares, logo que deram pela falta do santo abade, foram à sua procura e encontraram-no morto, de joelhos, enterrado na neve, de olhos fixos no céu e com os braços em cruz. Possuídos de religioso respeito, levaram-no para o mosteiro, onde lhe deram sepultura, e consideram-no santo. Durante séculos, numerosos devotos de Pitões e de muitas povoações da região, tanto de Espanha como de Portugal, acorriam a rezar junto do seu túmulo e a ele recorriam nas horas de aflição confiando-lhe todas as suas necessidades. A cabeça do Frade Santo ainda no século XIX se venerava na igreja do convento. Ficou na história de Pitões com o nome de S. Gonçalo”.

Continuamos, pela frente nova e penosa subida, tentando escolher o caminho para os que iam com mais dificuldade, incentivando-os, atingindo finalmente o trilho que vem da capela de S. João da Fraga, local em que os naturais de Pitões anualmente no mês de Junho realizam uma interessante procissão evocando o santo.

Após o reagrupamento e breve descanso, finalmente pudemos caminhar através de um carreiro e o espectro da noite já não nos incomodava. Já não fomos á capela, pois o esforço era grande e não havia tempo. Empreendemos assim a descida até ao Carvalhal do Teixo, cruzando o ribeiro do Beredo sobre uma velha ponte em madeira, e fizemos a subida para Pitões, através de uma antiga calçada que passa pelo carvalhal do Porto da Lage, local em que se realiza anualmente a romaria e onde bem perto se encontram as ruínas da aldeia de Júriz, cuja origem está ainda pouco esclarecida (será talvez para explorar noutra ocasião).

Entretanto três companheiros mais avançados ao chegar a Pitões conseguiram a prestável ajuda de  alguns motoqueiros espanhois (4x4) que se prontificam a ir buscar os mais combalidos, aliviando assim um pouco o esforço.

Finalmente chegamos a Pitões das Júnias com os primeiros negrumes da noite eram aproximadamente 19H00, e onde nos aguardavam os nossos companheiros que tinham voltado atrás nos Carris, recebendo-nos em alegre confraternização, juntamente com todos os elementos do grupo dos Andarilhos de Lisboa, que entretanto já haviam chegado.

Depois foi um pequeno convívio no café do Preto, trocando informações sobre o trajecto para poder ser feito no dia a seguir pelo grupo de Lisboa em sentido contrário.

Cerca das 20H00 despedimo-nos e rumamos em direcção de Tourém, Lóbios (Espanha) e dali até á fronteira da Madalena no Lindoso. Mais á frente ao passarmos nos Arcos de Valdevez resolvemos retemperar as forças sentados e bem acomodados no restaurante Costa do Vez, tendo chegado a Viana cerca da meia-noite.

Miguel Moreira

Amigos da Chão

in: Aurora do Lima

03-12-2004


Manhã cedo e noite cerrada, a custo lá me levantei pelas cinco horas, para me juntar a um reduzido grupo predisposto a caminhar...

0 dia rompia, quando nos abeirámos da vila do Gerês. Atravessámos a mata da Albergaria, passámos por Leonte e, finalmente, chegámos à Portela do Homem; porém, antes, à nossa direita, está o estradão que nos leva aos Carris. Aqui foi a concentração de todos os caminheiros, divididos em duas secções, uma com destino a Pitões das Júnias, outra até aos Carris. Com o empedrado e a subida pela frente, durante três horas, o nosso grupo, mais lento, Lá foi andando.

Ao longo da margem esquerda do rio Homem que desce de cascata em cascata, íamos subindo de pedra em pedra, era só cascalho! Dizia Miguel Torga: "Tranquei

as portas à memória e, pela margem do rio, subi os Carris. Uma multidão minava as fragas à procura de volfrâmio, por conta da guerra e de quem a fazia. Teixos

e carvalhos centenários acompanharam-me quase todo o caminho. Só desistiram quando me aproximei do cume da montanha, onde a vida, já sem raízes, tenta levantar voo."

Entre os contrafortes da montanha, alcantilados e inacessíveis, do gosto das águias, cabras e pouco mais, a panorâmica era arrasadora!

Aí pelo meio do percurso, o grupo mais atrasado, do qual fazia parte o Parente, o Alcides e respectivas companheiras, Abreu, Rui Vieira, Filipe, Josué e o subscritor destas letras, começa a separar-se, de forma natural, ficando para trás o caminheiro veterano Arlindo, que desde 1940 calcorreia por estas bandas.

Às duas por três, sou envolvido pela lentidão da passada do Josué, avesso a subidas inibidoras da vontade de caminhar. Prestei-lhe a minha solidariedade, o que era uma garantia para os da frente, que deixaram de se preocupar. De pedrinha em pedrinha lá foi andando, com desabafo aqui, disparate ali, e quando aparecia uma subidita mais que tal, logo arfava: "Outra ?!". Era, efectivamente, outra e mais outra, não tinham fim! Eu e o Josué, a subir, parecíamos dois prisioneiros abandonados na montanha, sem grilhetas, escravos da natureza, com a vontade férrea de atingir as Carris. Quando cheguei ao cume (1057 m), o Josué tinha ficado para trás, a vista era deslumbrante! 0 panorama desolador das casas esventradas dos mineiros contrastava com a sensação de leveza e bem-estar! Eram as minas dos Carris, cujo minério era transportado precisamente nos carris, a céu aberto, que ainda lá estão, outrora exploradas pelos alemães até ao início da segunda grande guerra, à cata do ouro negro, o volfrâmio; referia o veterano Arlindo que os alemães pagaram vinte escudos por dia aos trabalhadores portugueses, para fazer o estradão de acesso às minas, cerca de 12 Km. Entretanto, o Rui avançou com os mais radicais para Pitões, onde seguiam, entre outros, o Pimenta, o C. Almeida, o Miguel, o Rego, o Videira, o Joca, a Manuela e a Aurora, e malta de Lisboa e do Porto.

Nos Carris ficou connosco a Ana Maria, que me dizia: "Não vá, que é muito duro e não aguenta, são sete horas a andar, sem parar!". Palavras santas desta caminheira. Segui o seu conselho, se não a esta hora andaria errante aí por S. João da Fraga ou feito nómada por terras montanhosas que dão pelo nome de Altar dos Cabrões (1536 m).

Refastelados nas casas que foram de mineiros, no degrau da entrada, abrimos as nossas mochilas e almoçámos; deu nas vistas a botelha sem rótulo que levara um vinho da Região do Douro superior. Aqui visitámos a lagoa, onde se lavava o minério, e as minas, para além das numerosas casas abandonadas 0 pior estava para vir, do lado de cá e do lado de lá. Descemos para a Portela, mais lestos, onde chegámos pouco depois das 17h00, com o bar da fronteira fechado. Os carros estavam todos ali estacionados.

Dei uma volta ao edifício fronteiriço, por onde passaram milhares de emigrantes, o que é comemorado pelo monumento em granito voltado para a Galiza. De repente, alguém telefona que era preciso ir rápido para Pitões das Júnias, porque do tal grupo dos radicais havia pessoal em dificuldade e era preciso dar apoio. Feita a distribuição das chaves pelas viaturas, toda a minha gente conduz, servindo eu de guia turístico, promovido, à pressa, pelo Parente. Acedi e da zona só me lembro que um dia saí de Tourém, já de noite, e vim ter à fronteira da Madalena, no Lindoso.

Tudo parecia correr bem, mas em Lóbios começam as dificuldades, dado terem cortado a antiga estrada. Com informações pouco seguras, acabámos por entrar numa aldeia castiça, por caminho de carros de bois, em autêntico rally, mas às tantas, nem para a frente, nem para trás. Foi o cabo dos trabalhos!

Regressámos à estrada que nos levava a Tourém, até que surge a ponte fronteiriça que, para atravessar, foi necessário dar a vez ao gado que, pachorrentamente, peto meio da mesma se deslocava duma pastagem galega para cortes portuguesas. Atravessámos a aldeia comunitária que é um dedo espetado na barriga da Galiza, ouvindo um grito de um jovem: São todos portugueses:

Pitões das Júnias era já ali, via-se ao longe os cornos da Fonte Fria e eles teriam que passar por ali. Finalmente, chegámos. E os caminheiros? Nem vê-los! 0 primeiro a chegar foi o Rui, cansado, dizendo que o grupo estava atrasado e tinha abordado já dois motoqueiros galegos para repescarem duas caminheiras em dificuldade. A caminhada foi duríssima, pelos vistos.

No final, o grupo desmembrou-se porque nada estava programado: uns foram por Espanha e nós fomos até à vila barrosã de Montalegre, onde comemos a respectiva posta.

Havemos de voltar, mesmo sem caminhar, porque alguém diz que o Gerês é a aspirina do espírito!

Luís Gonçalves

in: Aurora do Lima
03-12-2004

Dados do percurso

Informação sobre os aspetos mais significativos:

Data2004-10-02
Tempo de deslocação07h 53m
Tempo parado03h 48m
Deslocação média 3,2 Km/h
Média Geral2,3 Km/h
Distância total linear25.0 km
Nº de participantes18