1999-05-22 Pelas Cambas à Ermida e Bilhares

Visitar a Ermida é visitar um dos lugares mais sertanejos de todo o PNPG. Aldeia encaixada nos contrafortes da Serra Amarela, em local de grande beleza, guarda dentro de si um grande valor cultural e património natural.

Este percurso desenrolou-se assim, ao longo de trilhos da Serra Amarela entre os lugares de Lourido e Ermida, alcançando um pouco mais acima a Branda de Bilhares.

Através da subida pelo trilho das "Cambas", usado pelos naturais quando não existia a estrada que lhe dá acesso, tivemos oportunidade de sentir o que seria o dia a diz das suas gentes.

Visitamos a unidade Museológica da Ermida, local em que podemos ver a "Estátua Menir e a "Pedra dos Namorados".

Miguel Moreira

Inatel


Ermida

A Ermida é uma aldeia que até há pouco conservava ainda grande parte da sua típica arquitectura rural de montanha:

casas térreas com paredes inteiramente de pedra e telhados de uma ou duas águas cobertos de colmo; campos de espigueiros, em pedra lavrada ou madeira, ruas íngremes e estreitas adoçados aos irregulares afloramentos graníticos continuamente sujos pelos excrementos do gado, constituindo um característico aglomerado rural noroestino rodeado por um escadório de campos em socalcos agricultados, onde predominam os milharais e batatais, compartimentados por uma infinidade de muros, um horizonte paisagístico vulgar nos ecossistemas humanizados das serras do Alto Minho

Localizada já no coração da Serra Amarela, a uma altitude média de cerca de 500m, encaixada num vasto e fértil "plateau", limitado pelo rio de Froufe, a norte, e o ribeiro de Carcerelha, a sul, a sua população residente continua a viver fundamentalmente da pastorícia (vacas, cabras e ovelhas), calcorreando encostas actualmente bastante nuas, onde predomina uma vegetação rasteira de urzes, tojos e giestas, pois os arvoredos (castanheiros, carvalhos, bétulas e freixos) acantonam-se junto dos magros e profundamente cavados cursos de água.

De difícil acesso, até há pouco só através de um íngreme carreiro que partia de Lourido e calcorreava o vale fundo do ribeiro de Carcerelha, se conseguia atingir a Ermida. Rocha Peixoto, referindo-se em 1903 ao transporte da Pedra dos Namorados até Ponte da Barca, que foi feito através da serra, considerou o trabalho "uma empresa memorável", o que diz bem do isolamento em que esta aldeia se encontrava.

Porém, a abertura recente (1981-82) de um estradão de terra batida, um ramal da via alcatroada entre Ponte da Barca e Lindoso, permite agora o acesso a viaturas automóveis. Este facto originou também um rápido surto de novas casas, levantadas com o dinheiro da emigração acentuando de forma insolitamente garrida o seu novo e estranho colorido de aldeia serrana.

A Errnida era já conhecida da bibliografia arqueológica, pois foi daqui, como dissemos, que Rocha Peixoto, nos inícios do nosso século, fez transportar para o Museu Municipal do Porto a conhecida Pedra dos Namorados, uma escultura com um par humano figurado que actualmente pode ser admirada entre as colecções de estatuária no Museu Nacional de Soares dos Reis, da mesma cidade. O local onde foi encontrado este monumento, conhecido a partir de então por Veiga dos Namorados, numa clara alusão à representação figurada , situa-se para leste do aldeamento, junto a Bilhares, num local que parece ter sido o assentamento de um antigo povoado do tipo castrejo. Com efeito, nesta veiga há muita pedra miúda e restos de construções que o povo diz serem do "tempo dos mouros".


Ermida. Ambiente arqueológico

A Ermida é uma povoação encaixada entre o rio de Froufe e o ribeiro da Carcerelha, dominando um amplo escadário de férteis socalcos moldados ao longo dos séculos. É uma aldeia profundamente interiorizada na serra Amarela, a uma altitude média de cerca de 500 metros. Rodeada de cristas graníticas e, vales profundos, esta localização manteve-a muito fechada às influencias exteriores, desenvolvendo durante séculos uma economia de quase auto-suficiência. O único estradão que hoje a liga à vizinhança Lourido, rasgado há menos de uma década, se por um lado tornou a povoação mais acessível, por outro rapidamente contribuiu para a descaracterização da sua malha urbana.

Seria nesta: povoação que, em 1981, foi descoberta uma escultura pré-histórica do tipo estátua-rnenir, datável do 29 milénio A.C., que se encontrava incorporada na parede interior de uma corte de gado. O proprietário desta corte, o amável Sr. Bento Fernandes Calçada, opunha-se inicialmente à sua remoção da parede, mas confrontado com a antiguidade e valor simbólico da escultura, rapidamente acedeu aos nossos desígnios. Outros problemas entretanto levantados pelo direito de posse da estátua-menir estão já descritos e publicados, pelo que nos dispensamos de alongar aqui a sua pormenorizarão. Num primeiro momento, a estátua-menir ficou à guarda do Presidente da Junta de Freguesia, sendo finalmente integrada no núcleo museológico da aldeia, entretanto criado para o efeito.

Esta unidade museológica nasce assim da necessidade de salvaguarda e valorização de uma notável peça arqueológica, curiosamente aparecido na mesma aldeia de onde no princípio do século e em condições bastante mais difíceis, Rocha Peixoto fizera transportar para o então Museu Municipal do Porto, a conhecida Pedra dos Namorados. Esta outra escultura, que até finais de 1986 esteve exposta no Museu Nacional de Soares dos Reis, é mais recente do que a primeira, sendo já datável da época romana. Está também já hoje igualmente no núcleo museológico da aldeia de onde estivera quase um século afastada.

Ambas as peças, notáveis documentos arqueológicos, demonstram que a ocupação do espaço onde actualmente está implantada a Ermida e bem assim a sua área natural de domínio do território, são bastante recuadas no tempo, indo pelo menos até ao 2º milénio a.C. A aldeia é, aliás, a única povoação da serra Amarela (no interior do P.N.) que ainda ocupa uma branda, a de Bilhares, localizada em local de um antigo assentamento romano.

Ultrapassando a simples guarda e valorização destas duas esculturas graníticas, a unidade museológica da Ermida seria desde logo dimensionada como um núcleo de aldeia, para cuja criação contribuiu extraordinariamente a população do povoado, quer com o seu dinamismo, quer cedendo os elementos da cultura material (mobiliário, alfaias agrícolas...) que se convencionou expor permanentemente. Deve aqui realçar-se que qualquer destas peças continua legalmente como pertença dos mesmos proprietários que as possuíam até à data da sua exposição no núcleo, e que, se o desejarem, qualquer deles as pode levantar. Apenas a estátua-menir e a Pedra dos Namorados, até para efeitos de classificação pelo I.P.P.C., se convencionou serem pertença da comunidade através da sua Junta de Freguesia.

Não conseguindo dar sequência a toda uma dinâmica que em 1984 se sentia fortemente na comunidade, o próprio P.N. - em grande parte devido então às suas deficientes estruturas - não soube resolver e catalisar da melhor maneira a oportunidade assim aberta com a criação deste núcleo museológico junto de uma população tradicionalmente difícil e onde ainda (será conveniente reconhece-lo) pesa demasiado a tradição negativa dos florestais.

Em jeito de balanço, podemos afirmar como positivos os seguintes aspectos:

a) Este núcleo museológico foi o primeiro que o P.N., mais de 10 anos após a sua criação, conseguiu realizar, podendo-se como tal, considerar um projecto pioneira.

b) Para a sua realização foi importantíssimo o empenho e dedicação da própria população que sentiu como seu o bom andamento do projecto.

c) Com a criação deste núcleo, valorizou-se 'in loco' uma das mais notáveis e esbeltas estátuas-menires da pré-história recente até hoje aparecidos no Norte de Portugal, que de outra forma correria o risco de poder ser destruído ou mutilada (como chegou a ameaçar o seu proprietário), ou de ser transportada para algum grande museu nacional, onde ficaria desenquadrada da paisagem e dos horizontes que a criaram e, certamente, "afogada" entre centenas ou milhares de outras peças arqueológicas a que, na generalidade, só os especialistas valorizam singularmente.

d) Pouco mais de dois anos após a criação deste núcleo, a Pedra dos Namorados regressou à Ermida, cumprindo-se assim um dos maiores anseios dos aldeões, que sempre nos manifestaram o deseja de tornarem a possuir aquele que é um dos seus mais ancestrais pergaminhos.

Retirado de textos de

Eduardo Cruz

Dados do percurso

Informação sobre os aspetos mais significativos:

Data1999-05-22
Distância total15 km
Nº de participantes40